TCU nega suspensão de portaria sobre autorizações de novas ferrovias privadas
O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, negou o pedido de suspensão do processo de autorização para construção de novas ferrovias requeridas pela iniciativa privada. A decisão foi tomada após pedido apresentado nesta semana pelo procurador do Ministério Público de Contas Júlio Marcelo de Oliveira, que solicitou uma medida cautelar a respeito de possíveis irregularidades encontradas em uma portaria do Ministério da Infraestrutura (Minfra) que estabelece as regras das autorizações.
A análise recaiu sobre a portaria que regulamenta a Medida Provisória 1.065/2021, também chamada de novo marco legal dos transportes ferroviários, publicada pelo Minfra em 30 de agosto. O MP/TCU havia aponta problemas na portaria (131/2021) que regulamenta a MP, sob o argumento de que esta privilegiava a emissão de autorizações de novas ferrovias para a empresa que primeiro apresentasse o pedido de um determinado trecho, em situações em que mais de uma companhia tivesse interesse naquele mesmo destino.
O governo, para evitar conflitos, decidiu emitir uma nova portaria, que deve ser publicada ainda nesta quinta, para esclarecer que o critério de prioridade não se aplica à autorização em si, mas sim à análise de cada pedido feito. O governo não pretende adotar um critério para escolher um “vencedor” em casos que envolvam mais de um interessado. A ideia continua a ser aprovar todos os pedidos de autorização que chegarem, mesmo que tenham o mesmo início e destino.
A única situação em que o governo prevê fazer um “chamamento público” para que ocorra disputas entre empresas se dará naquele em que o próprio poder público sugerir o traçado. Por isso, não é objetivo da MP interferir em qualquer projeto apresentado pela iniciativa privada, tampouco contrapor um ao outro.
“A MP não prevê o instituto do chamamento público para resolver conflitos de interesse existentes nos requerimentos de autorização, mesmo porque isso iria na contramão do objetivo estabelecido, a saber, fomentar a competição ferroviária, por meio, por exemplo, da possibilidade de implantação de mais de uma linha férrea com o mesmo par origem-destino”, afirma o ministro Bruno Dantas, em seu despacho sobre o assunto.
Apesar de Bruno Dantas não ter acatado o pedido de paralisação, o ministro fez uma série de apontamentos ao processo. O ministro criticou o critério de ordem cronológica a ser adotado nos casos em que houver incompatibilidade locacional sem solução ou outro motivo técnico que impossibilite a implantação concomitante de duas ou mais ferrovias.
“O problema posto, portanto, não é a coexistência de duas ou mais ferrovias que atendam o mesmo par origem-destino, mas o critério a ser usado para se dar preferência a um projeto em detrimento de outro para fins de aprovação pelo Poder Concedente”, declarou o ministro.
“Nesse ponto, nessa análise sumária, dou razão ao MP/TCU de que referida previsão permite que um projeto tecnicamente inferior tenha preferência sobre outro que lhe seja superior, mas que tenha sido apresentado posteriormente, mesmo que no dia seguinte. Não haveria, portanto, interesse público e rigor técnico que se espera para a avaliação de possíveis autorizações que poderão ter efeitos concretos por quase dois séculos (99 anos, prorrogáveis).”
Segundo Bruno Dantas, se há pedidos que demonstrem o interesse de mais de uma empresa, “deveria haver critério técnico que prestigie a escolha do melhor projeto segundo o interesse público e demais princípios aplicáveis, sob pena de a sociedade não ser contemplada com os melhores projetos e benefícios socioeconômicos esperados da política pública”.
O ministro afirmou que “esses elementos podem justificar a adoção de medida cautelar por parte desta Corte, tendente a suspender a análise e/ou expedição de outorgas de autorização que utilizem como critério de escolha a regra”.
Dantas negou o pedido de ingresso da empresa VLI Multimodal como interessada no processo que corre na corte, sob a justificativa de que a análise diz respeito à legalidade de ato administrativo normativo geral, que não interfere em qualquer pleito, pretensão de direito ou contrato da empresa.
A empresa Rumo Logística, que já controla parte das ferrovias em operação no País, deu início a uma série de embates na Justiça contra a sua concorrente, a VLI, que tem a mineradora Vale como sócia majoritária.
No dia 21 de setembro, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) iria analisar pedidos da VLI, que deu entrada em quatro pedidos de autorização de trechos ferroviários: Lucas do Rio Verde a Água Boa, em Mato Grosso; Uberlândia a Chaveslândia, em Minas Gerais; Porto Franco a Balsas, no Maranhão; e Cubatão a Santos, em São Paulo.
Oito dias depois, a Rumo procurou a ANTT para apresentar dois pedidos exatamente idênticos aos da VLI: os traçados previstos para Mato Grosso e Minas Gerais. Um terceiro pedido também foi requerido em Santos, mas numa extensão maior que aquela requerida pela VLI.
Paralelamente, a Rumo entrou com uma ação judicial para barrar todos os pedidos de autorização, sob o argumento de que as regras estabelecidas atualmente privilegiam apenas aqueles que primeiro solicitaram os trechos, porque a ANTT daria início à análise dos pedidos da VLI. A empresa perdeu a ação em duas instâncias.
Ao comentar o assunto, Bruno Dantas rejeitou o argumento da Rumo sobre as ferrovias previstas para Mato Grosso e Minas e Gerais, ao declarar que, sobre estas, “não se vislumbra incompatibilidade locacional, uma vez que se localizam em áreas remotas que não apresentam possíveis impasses que obstaculizem a implantação das duas linhas”.
O ministro do TCU alertou, porém, sobre uma terceira solicitação da Rumo que pode enfrentar dificuldades: a implantação de uma nova ferradura de acesso ao Porto de Santos, entre Santos, Cubatão e Guarujá, no litoral paulista.
O projeto, segundo o ministro, “demandará análise criteriosa e detalhada em razão da localização dos pontos que se deseja conectar”, passando pelos pátios ferroviários já existentes de Valongo, Perequê e Conceiçãozinha e devido à existência do traçado da empresa MRS, que faz exatamente essa ligação.
Dantas, com base em instrução técnica do TCU, chamou a atenção sobre a alta densidade ocupacional do entorno do traçado atual, a necessidade de um novo túnel na margem esquerda do canal portuário e a construção de travessia de um trecho da baía por ponte, entre “outros pontos que geram a necessidade de estudos detalhados das soluções possíveis, antes de se poder concluir pela compatibilidade locacional ou não”.