Purrinha: uma brincadeira que atravessa gerações
Em um tempo cada vez mais digital, chega a ser uma surpresa encontrar, nos quatro cantos da cidade, grupos que preservam aprendizados de décadas atrás. Jogar porrinha (ou purrinha), por exemplo, é uma dessas tradições passadas de geração a geração que resistem ao tempo. A brincadeira, que garante a diversão de muita gente, especialmente os idosos, acredite, segue conquistando novos praticantes.
Aos 26 anos, Clara Mendes, nascida e criada em Petrópolis, lembra que aprendeu a fazer contas com a sua avó. No Ensino Fundamental, ensinou os amigos a jogarem purrinha, assim como sua avó avia lhe ensinado. “Eu tinha dificuldade de fazer contas de cabeça. Minha avó, que passava a maior parte do dia comigo, me ensinou, então, a jogar purrinha”, contou ela.
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A purrinha é um jogo antigo onde são usados pedaços de palito, papel ou até mesmo moedas. Envolve Matemática e um pouquinho de sorte. Cada jogador deve escolher a quantidade de “palitos” que vai colocar na rodada e, depois, adivinhar quantos palitos – no total – há na mesa, contando com os dos outros jogadores. O jogador que acerta a quantidade vence a rodada. Também vale blefar, facilitando o erro dos adversários.
“Eu tomei gosto por Matemática. Pode ter sido por diversos motivos, mas o que marcou, para mim, foi passar as tardes jogando purrinha com os meus avós. Quando a família conseguia se reunir nos domingos, eu juntava todo mundo na mesa para mais uma partida”, contou Clara.
Diversão e amizade
Em Petrópolis, a tradição reúne amigos há mais de vinte anos. A lanchonete Kadany’s, na Rua Paulo Barbosa, é ponto de encontro de José Alves Moreira, de 73 anos, e seus amigos todas as terças, quartas, quintas e sextas-feiras. Eles costumam jogar purrinha enquanto tomam café da manhã e colocam o papo em dia.
“A gente se encontra por volta das dez e meia da manhã e disputamos purrinha durante o café. A brincadeira é sempre muito amigável e cada um marca o seu ponto, para, no fim do encontro, a gente saber quem venceu mais rodadas”, contou ele.
Itaipava também mantêm a tradição de reunir os amigos na disputa da purrinha. Aos 81 anos, José Luiz Barbosa conta que há 17 se reúne com os amigos para a brincadeira. Ao longo dos anos, ele diz, ganhou muitos amigos por causa das partidas.
“Esse encontro faz parte da minha vida. Tem gente que veio de longe para morar aqui e agora faz parte dessa turma. Eu jogo há 17 anos, mas tem gente que joga há mais de 20”, contou ele. Todas as quintas-feiras, os amigos de José Luiz se reúnem no bar da Fazendinha de Itaipava. Além das conversar, o jogo é obrigatório. “Não é só jogar purrinha, não. A gente quer preservar a amizade, se divertir. No grupo tem de tudo, padeiro, engenheiro, advogado e até construtor”, explicou.
Com 89 anos, Armando Martins foi um dos fundadores do grupo de purrinha de Itaipava. Com muitas histórias para contar, ele lamenta a falta de atividades para idosos na região. “Aqui no município tem pouca coisa para os idosos fazerem e a nossa reunião acontece exatamente por isso. Eu sou o mais velho e convivo com o mais novo desse grupo também. Não tem nada que me interesse mais nessa disputa do que essa amizade. É o programa que tem para a gente aqui no município.”, contou ele.
Animado, garantiu que, quando completar 90 anos, vai comemorar reunindo todos os amigos que fez nos de purrinha.
Ricardo Curi, 65 anos, que também é fundador do atual grupo que vai fazer 14 anos em janeiro, não perde um encontro. Cada rodada de purrinha é regada a cerveja, boa comida e, é claro, risadas. “Quem ganha, sai da rodada. Os que vão perdendo permanecem e o último perdedor paga aquela rodada de cerveja”, explicou ele.
“Além disso, a gente deixa aqui na mesa duas bruxinhas que tão aqui pra azarar o pessoal que ainda tá jogando”. As bruxinhas ficam nas duas pontas da mesa e, há anos, fazem parte das competições. Eles usam as duas como símbolo de azar para o perdedor.
O bar do Romário, em Itaipava, foi onde os encontros começaram para José Luiz e alguns outros membros do grupo. Próximo ao “arranha-céu” de Itaipava, o bar atraiu diversas pessoas nos encontros de purrinha. Além de jogadores, apareciam amigos e familiares, que iam só para assistir. “O Romário tinha pouco movimento na época e a gente encheu o espaço. Houve um momento em que não cabia mais todo mundo por ser um barzinho pequeno. A gente chegava e ocupava todas as mesas. O legal é que até o próprio dono, o Romário, jogava com a gente e fazia parte do grupo”, contou José Luiz. As partidas chegaram a reunir 100 pessoas.
Hoje, o grupo gosta de reviver os bons tempos que viveram em algum momento de suas vidas. “Lá não tem classe social. Não tem coisa de rico ou pobre! Lá todo mundo é igual e a gente trata todo mundo do mesmo jeito. E o mais legal é que a gente nunca fala de política ou religião”, contou José Luiz.
Na última quinta-feira (10) o encontro celebrou o aniversário de um dos membros do grupo. Paulo Araújo comemorou 70 anos com quase 30 amigos. “É essa amizade que faz a gente querer se encontrar sempre”.