• Produtividade (emperrada) dos serviços públicos

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  • 20/02/2021 08:00
    Por Gastão Reis

    O Brasil não tem propriamente um caso de amor com o mercado. É fato que o mercado não resolve tudo. Políticas governamentais de preços mínimos para produtos agrícolas, por exemplo, são comuns na Europa, nos EUA e em muitos países. Sem tais políticas, acontecia o seguinte: quando o preço de um dado produto agrícola disparava, os agricultores plantavam o referido produto em larga escala e pouco depois se defrontavam com mercados abarrotados e quedas vertiginosas de preço. E vice-versa. Até aqui, ao adotarmos também a referida política, estamos no caminho certo.

    Mas daí a dar ordem unida ao mercado, tão ao agrado de certos grupos militares, amantes da criação de estatais, vai grande diferença. Hoje, sabemos no que isso vai dar: empreguismo de apaniguados políticos e muita corrupção. Seu efeito conjunto sufoca o investimento em inovação gerador de elevação da produtividade e do salário real. O resultado final caminha na direção da (quase) paralisia da economia, como ocorreu na ex-URSS e na própria China. Diante do problema, elas resolveram restabelecer relações diplomáticas com o mercado. Deixaram de interferir naquilo que o mercado faz automaticamente – e muito melhor –, sem precisar do governo.

    Interessante é que já tivemos aqui, na chegada do Dom João VI em 1808, a figura de José da Silva Lisboa, nascido na Bahia, e que estudou e viveu muitos anos em Portugal. Ele publicou, em 1804, “Princípios de Economia Política”, onde fazia a defesa dos princípios clássicos de liberdade econômica de Adam Smith, autor de “A Riqueza das Nações”. Em linhas gerais, naquela época, estávamos no caminho certo com a abertura dos portos e a liberdade concedida às indústrias, revogando o decreto da rainha Dona Maria I que proibiu, por curto espaço de tempo (1875 a 1808), fábricas no Brasil.

    Curiosamente, já em pleno século XX, o engenheiro Gustavo Corção, que poderia ter lido Adam Smith, criou uma cooperativa no auge da Ação Católica Brasileira, nos idos de 1930 e 1940. Ele queria combater a ganância do Manoel, o português dono de armazém. Seu entusiasmo durou até o dia em que descobriu que o quilo da batata vendido pelo lusitano estava mais barato do que a da sua cara (nos dois sentidos!) cooperativa. Mas a luta antimercado continua. O setor público brasileiro ainda não se deu conta de como cobra caro por suas batatas, como diria Machado de Assis. (Neste parágrafo, estou plagiando artigo meu publicado no Estadão, em 13.05.2015, “Repúblicos, Frei Vicente e Adam Smith”. Basta digitar este título no Google que vem no ato).

    Mas não só as batatas. Caberia lembrar itens como gasolina, energia elétrica, telefones dentre outros, entupidos de impostos de toda sorte que em alguns casos chegam a dobrar o preço desses itens básicos para acomodar os impostos. No preço da gasolina, quase metade é imposto, segundo a ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. O preço poderia cair substancialmente se o imposto cobrado estivesse na faixa de 10 ou 15%, como é comum nos EUA, na Europa e em outras partes do mundo.

    Aos poucos, felizmente, a população deu-se conta de que o governo, nas três esferas administrativas (federal, estadual e municipal), nos custa os olhos da cara. Instituições internacionais chegam mesmo a propor congelamento de salários, delimitado no tempo, em especial para os altos e médios escalões do serviço público, que acabam ganhando até o dobro, ou até mais, de quem faz a mesma coisa no setor privado. Essa situação de tamanha discrepância de salários não é comum nos demais países, sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento. Tornar empregos públicos atraentes não requer tamanho incentivo a ponto de em média pagar o dobro do setor privado.

    É revelador o resultado da pesquisa levada a efeito pelo Instituto Idea Big Data a pedido do movimento Livres. Nada menos de 70% dos entrevistados estão insatisfeitos com a qualidade dos serviços públicos. E apoiam uma política de avaliação do desempenho dos servidores como base para progressões na carreira. A ausência dessa avaliação sistemática do desempenho traduz o evidente: a baixa qualidade dos serviços públicos. Isso significa também baixa produtividade destes servidores. Escancara, por sua vez, o absurdo de remunerar muito bem quem é pouco produtivo.  Jabuticaba típica do Patropi.

    Nessa linha de elevar a produtividade (emperrada) do setor público, foi inaceitável a decisão do STF, por 6 a 5, que taxou de inconstitucional a redução proporcional de salários e jornada no setor público federal, estadual e municipal. Quer dizer, no setor privado, em que situações desse tipo foram permitidas por lei, isso é possível, mas não no setor público.  Uma “lei” maior, na verdade, decisão arbitrária de meia dúzia de ministros do STF, se impôs, contrariando o artigo 5º da constituição de 1988, que nos garante igualdade perante a Lei. Os servidores públicos da área da saúde não seriam atingidos, até mesmo por sua sobrecarga de trabalho face à Covid-19.

    A economia brasileira vem sofrendo de baixa produtividade em praticamente todos os setores, exclusive o do agronegócio, que vai de vento em popa com apenas 6% de carga tributária. Caso fosse permitida a redução proporcional de salários e jornadas no setor público, o ajuste fiscal de municípios, estados e da própria União teria sido imensamente facilitado. A profunda irritação de prefeitos e governadores com a decisão estapafúrdia do STF foi sintomática.

    Os ministros do STF que permitiram a aberração simplesmente não se deram conta do salto de produtividade que teriam propiciado ao setor público. A simples possibilidade de ter o salário reduzido proporcionalmente à jornada induziria o servidor a ter um comportamento bem mais produtivo. Melhoria da qualidade dos serviços públicos, desejada por 70% da população, que lhes paga o salário, requer aumento da produtividade dos servidores. Mas isso lhes foi negado por seis ministros do STF, cujos salários também são pagos pelo cidadão contribuinte. Desrespeito ao cidadão.

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