• Petrópolis dá mau exemplo com descuido de monumentos e espaços turísticos

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  • 21/08/2020 18:25

    A beleza arquitetônica e o patrimônio histórico de Petrópolis fazem parte da engrenagem que move o setor turístico da cidade. Sem a conservação desse patrimônio, além da perda da identidade histórica e cultural, o turismo deixa de ser “o ganha-pão” que impulsiona a economia petropolitana. Na semana em que foi comemorado o Dia do Patrimônio Histórico Nacional, atrativos importantes da cidade foram lembrados não por sua conservação, mas pelo seu estado de degradação. Em alguns casos, apesar dos projetos de reforma, o que se vê, hoje, são trabalhos paralisados e cenários que nem de longe lembram os que ficaram eternizados em cartões-postais.

    “Tem que haver um carinho e cuidado com o nosso patrimônio porque é disso que a cidade está vivendo. Sem essa beleza cultural, arquitetônica e histórica, o turismo seria relegado e a cidade estaria morta”, lamentou a integrante da Associação Ama-Centro Histórico, Myriam Born. Entre os espaços citados está o Palácio de Cristal, fechado desde o início do ano para obras que até o momento não foram concluídas. Hoje o cartão-postal está escondido atrás de montanhas de terra do jardim. 

    As intervenções foram embargadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional  (Iphan) devido à falta de documentos do projeto, entre eles um laudo arqueológico do local. Além disso, a empresa que venceu a licitação para executar a obra abandonou o serviço e a Prefeitura teve que acionar a segunda colocada, que não pode mexer no jardim até a liberação do órgão de preservação do patrimônio. 

    O projeto, avaliado em mais de R$ 1 milhão, prevê a reforma de toda a parte externa do palácio, com a substituição da tubulação hidrossanitária, condutores elétricos e reforma do pórtico e dos banheiros. Em nota, a Prefeitura informou que “o Iphan está ciente da convocação (da segunda colocada) e a empresa que assume agora a obra também é responsável pelo laudo arqueológico solicitado pelo órgão, uma vez que houve necessidade de escavação no jardim do Palácio de Cristal para a iluminação externa. A empresa é responsável pela contratação de um arqueólogo que vai analisar tanto o Palácio de Cristal quanto o material escavado e emitir um laudo”. 

    A Prefeitura informou também que a elaboração desse laudo não vai impedir que a empresa dê sequência à obra em outros pontos do ponto turístico, como a reforma da entrada do Palácio de Cristal e banheiros. Ainda na nota, o município confirmou que esta semana o Ministério do Turismo depositou o recurso que estava atrasado para as obras.

    Para o presidente do Instituto Civis, Mauro Corrêa, além de reformar o Palácio de Cristal, é preciso também elaborar um plano de uso para o local. “Não adianta nada gastar uma fortuna com a obra e depois não haver um uso consciente do espaço. Todas as festas da cidade são realizadas ali e quando os eventos acabam os jardins estão destruídos e gasta-se mais dinheiro para consertar. O uso adequado do local é essencial para a preservação desse e de outros espaços da cidade”, comentou.

    O Iphan frisou que o embargo às obras do Palácio de Cristal é apenas parcial, já que o instituto não impediu intervenções em áreas como banheiros e rampas de acesso ao Palácio. “No dia 11 de agosto, a Prefeitura encaminhou ao Instituto uma nova versão do projeto, que está em análise. Esse documento ainda não incluiu detalhes como o cronograma das obras, o projeto arqueológico, e as amostras do piso in loco”, acrescentou o órgão, que frisou estar “tentando implementar princípios de de cooperação, parceria e diálogo construtivo com a Prefeitura para resolver esta situação”. “O projeto de restauração do bem tombado teve aprovação apenas parcial por conta de dificuldades técnicas para garantir a preservação das características que o tornam fundamental para a sociedade e as gerações futuras. Trata-se de um monumento simbólico para a história do Brasil e essencial para residentes e visitantes dos dias hoje. No Palácio, o petropolitano reforça seu vínculo afetivo com a cidade e encontra um espaço de lazer e de aprendizado. Por isso, o Iphan se compromete a fazer tudo que está na sua alçada para garantir a preservação deste monumento”, acrescentou. 

    A poucos metros do local, a ponte das Duchas (do Colono), antiga ponte de madeira que mantém as características originais – também deixa a falta de cuidado evidente. Interditada, ela foi isolada primeiramente com uma fita e, mais recentemente, com uma manilha, que impede a passagem de veículos. Segundo a Prefeitura, a ponte está interditada por risco estrutural e todas as peças de madeira serão trocadas. O pedido de autorização para realizar o serviço foi feito ao Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) em junho, mas ainda não houve liberação.

    Ontem, após vistoria, o Inepac confirmou que constatou a má conservação de parte do madeiramento da estrutura do patrimônio histórico. Acrescentou que, após uma reunião, ficou definido que a Prefeitura de Petrópolis vai enviar um laudo complementar com algumas alterações no projeto da obra, entre elas a substituição dessa parte do madeiramento. O documento será enviado e analisado pelo Instituto. Só depois da liberação o município poderá fazer a obra.  A Prefeitura garantiu que já entregou a documentoação solicitada e informou que espera ser autorizada a iniciar as intervenções já na próxima semana.  

    O avião que ficou no chão

    Além do Palácio de Cristal, outro ponto conhecido da cidade foi alvo de debates devido à falta de conservação. A réplica do avião 14-Bis de Santos Dumont, instalada na praça que leva o mesmo nome, no Centro Histórico, despencou do suporte durante uma ventania na manhã de quarta-feira (19). O problema é que a réplica já apresentava sinais de má conservação: havia um pedaço de madeira prendendo a estrutura em um dos pilares de sustentação

    “Já tivemos ventos mais fortes que este na cidade e o avião não caiu. O que aconteceu ali foi a falta de conservação e de cuidado”, frisou Mauro Corrêa. A obra foi doada ao município em 2006, ano do centenário do vôo do 14 Bis, pela empresa GE Celma, e fica a poucos metros do Museu Casa Santos Dumont, conhecida como A Encantada. O monumento foi retirado para reparos.

    “O turismo se apropria do patrimônio cultural e histórico e faz dele os atrativos turísticos de uma cidade. Cuidar e preservar esses espaços não é só manter o turismo, mas é acima de tudo manter a memória de um local, de um povo. O Palácio de Cristal, por exemplo, é a nossa pérola. É de uma riqueza impressionante da nossa cidade e de um valor internacional, mas infelizmente continua naquele estado, assim como outros atrativos que precisam de plano para o uso consciente”, disse a turismóloga e integrante do Conselho Municipal de Turismo (Comtur), Marisa Guadalupe.

    Marisa lembra que, apesar da Praça 14-Bis não ser um atrativo turístico, mas sim um equipamento do receptivo turístico, a preservação e manutenção devem ser frequentes. “Há algum tempo já havia essa discussão sobre a falta de cuidado tanto com a praça quanto com o 14-Bis”, citou a turismóloga. “Quando o 14-Bis retornar para a praça esperamos que, agora, ele seja colocado de forma correta”, brincou, lembrando que o monumento foi instalado na posição errada. “As asas do avião ficam atrás do piloto. Do jeito que ele estava colocado, se Santos Dumont pilotasse bateria direto nas árvores”, brincou.

    O que diz a Prefeitura

    Questionada sobre a manutenção e conservação dos equipamentos turísticos, a Prefeitura garantiu que realiza o trabalho periodicamente. O serviço, segundo o governo, fica a cargo da Comdep, Secretaria de Obras, Turispetro e o Instituto Municipal de Cultura e Esportes, que “mantém um trabalho constante na manutenção e preservação de equipamentos turísticos da cidade, assim como monumentos e pontes”. O município garantiu que o trabalho não apenas corretivo, mas também preventivo.

    Sobre a réplica do 14-Bis, o município não esclareceu para onde a estrutura foi levada – a empresa GE Celma nega que a peça tenha sido levada para a empresa, como informou a Prefeitura no dia em que a peça caiu. Finalizou dizendo que o monumento está sendo restaurado e revitalizado e, nos próximos dias, será colocado no lugar de origem.

    Leia também: Quase três anos depois, restauração do painel de Djanira permanece estagnada

    *Matéria alterada às 19h20 para acréscimo da resposta do Iphan em relação às obras no Palácio de Cristal.

     

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