• Juliana Costa busca recorde no paraquedismo após cura de câncer e perda da mãe

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  • 30/08/2022 08:48
    Por Estadão

    Testar limites e saber até onde você pode chegar diante das adversidades. Um câncer no estômago, a perda da mãe, o fim de um relacionamento e os efeitos de tempos sombrios provocados pela pandemia de covid-19 jogaram nas cordas a então pacata moradora de Ubatuba, que era amante de flores, livros e stand up paddle. Sob o risco de ver sua trajetória interrompida, Juliana Costa, 40 anos, buscou transformações. A principal delas foi a realização pessoal. Para abraçar o paraquedismo, vieram a mudança de cidade, busca de emprego e um novo estilo de vida. Adepta dessa modalidade radical, ela parte agora para um desafio nas alturas: o de integrar um grupo que pode chegar até 40 participantes com a intenção de quebrar o recorde brasileiro e sul-americano de salto de grandes formações de mulheres paraquedistas.

    “Quando eu salto, tenho a sensação de ser uma pessoa “fogo na roupa”. E é muito bom poder e querer realizar sonhos. Meu pai (Eliseu Costa), quando soube, ficou bravo e disse que eu só inventava moda, mas acabou aceitando”, disse Juliana ao Estadão.

    O recorde atual de grandes formações de mulheres paraquedistas contou com 34 atletas e foi realizado em 2014. Essas grandes formações são saltos complexos, que envolvem muitos paraquedistas em um mesmo voo e exige grande sincronia para executar as figuras estabelecidas. Para bater essa marca e definir a quantidade de integrantes, a equipe depende ainda da capacidade da aeronave que vai dispor. O número de participantes pode variar entre 36 e 40 mulheres paraquedistas.

    Para Beatriz Ohno, uma das atletas mais experientes do grupo e organizadora do evento, a iniciativa é importante porque mostra a presença feminina neste esporte, que tem os homens como maioria. Ela argumenta que o projeto visa, além da conquista do novo recorde, fomentar a participação feminina. “O número subiu nos últimos anos, mas a representação ainda é pequena.”

    Todas as participantes são filiadas à Confederação Brasileira de Paraquedismo e estão na categoria B. A faixa etária varia dos 16 aos 57 anos e conta com pessoas dos mais variados estados brasileiros, além de integrantes do Chile e do Paraguai.

    Sem data definida, o salto deve acontecer nos primeiros meses do ano que vem. Enquanto isso, o planejamento continua. No Instagram (recordefeminino_paraquedismo), há o relato da preparação para atingir a nova meta. A postagem mais recente indica as datas do próximo treinamento e também o local. O encontro vai acontecer nos dias 10 e 11 de setembro, em Piracicaba.

    Vídeos de bastidores e comentários dão o tom do ambiente entre as competidoras. Mais do que atingir o recorde, a iniciativa de reunir pessoas de lugares tão distantes relata muito da trajetória de cada mulher que entra no projeto para cumprir o objetivo. “É desafio, acolhimento, alegria, felicidade, coragem, resiliência e muita energia alta”, diz a voz de uma das participantes enquanto imagens da preparação das competidoras são exibidas.

    A inserção de Juliana nesse universo pode ser visto pelas redes sociais. Ali estão registrados os mais variados momentos. Desde os saltos até os treinos, como também a paixão por livros, natureza e citações que remetem a sua garra para superar os momentos difíceis.

    A opção de trocar as praias de Ubatuba pelos ares de Boituva, mostra esse novo estilo de vida. Em sua página no Instagram ainda tem espaço para dicas sobre a modalidade para quem quiser se aventurar.

    Com 60 saltos no currículo e detentora da licença da categoria B, ela diz não saber qual é o seu limite. “O paraquedismo é fundamental para mim. Minha terapia. Quero disputar muitos campeonatos e poder encorajar as pessoas a acreditarem nos seus sonhos.”

    Viver a vida e poder inspirar o próximo com o seu exemplo é o que Juliana tem a oferecer. Esportista na adolescência, teve o futebol e o vôlei como esportes preferidos nos tempos de colégio. Por ironia do destino, apreciar os eventos de paraquedismo no aeroporto de Ubatuba, durante a temporada de verão, era apenas passatempo nos tempos de adolescência.

    CÂNCER, FUNDO DO POÇO E PARAQUEDISMO

    A partir de 2008, porém, sua vida sofreu uma reviravolta com o diagnóstico de tumor maligno. Submetida a cirurgia para retirar parte do estômago, vieram a internação e sessões de quimioterapia. Em tempos difíceis, o apoio da família foi fundamental. “Eu tinha 60 quilos e fiquei com 28 apenas. A autoestima foi lá embaixo. Ainda passei por uma dieta rigorosa e iniciei a recuperação”, afirmou.

    Em meio à retomada, Juliana sofreu outro golpe. A morte da mãe, vítima de câncer de mama. Nessa escalada, o fim de um relacionamento e ainda o período de pandemia, onde muitas vidas foram ceifadas, foram motivos de profunda reflexão. “A vida passou a ter outro sentido. O amanhã pode não existir. Aprendi a valorizar o momento e a estar mais presente com as pessoas queridas. Fortaleci a minha fé”, concluiu.

    E foi quando a pandemia perdeu força que a vontade de se tornar uma paraquedista floresceu. “Depois de tudo que passei, o esporte teve um papel fundamental. Trouxe autoconhecimento, passei a ter disciplina e confiança em tudo que fazia.”

    O gosto pela adrenalina e a necessidade de praticar mais saltos para aprimorar sua técnica marcaram o ano de 2021. Vieram os cursos e o entrosamento com a “família skydive”. “Fui muito bem acolhida, as pessoas são muito preparadas e tudo é treinado à exaustão. O que fazemos no chão, temos que repetir no ar.”

    Dona de um biótipo físico leve, Juliana trabalha forte para melhorar a forma física e aguentar o ritmo das atividades dos paraquedistas mais experientes. “Por ser leve, faço muito fortalecimento muscular para suportar o ritmo. Preciso desenvolver muito trabalho no túnel de vento para entender melhor os movimentos. Mas tudo é treino e técnica.”

    Depois de vencer o seu maior desafio, ao se curar do câncer, Juliana tem agora na queda livre o seu momento de êxtase: “É muito bom ter esse sentimento e poder desfrutar de tudo que tenho ao meu redor.”

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