Casa Olga: aquela que foi coroada lar das meias
Admirador da arte, não demorou a também dela se tornar criador. E, sabendo que por trás de toda peça existe uma história a ser contada, caprichou na trama. Coroou as Casas Olga como o lar das meias, fez dos fios condutores de desenhos e ressignificou o acessório como aquele que veste, mas não cobre: (re)descobre.
Transparente, a rede fez de quem com ela se misturou, artista. Ao longo de quarenta anos, por exemplo, foi a ela que a aposentada Marly da Motta Carvalho, de 77 anos, esteve entrelaçada. Ainda hoje conectada à Casa Olga, a ex-funcionária relembra como foi transitar entre os cargos de caixa, balconista e sub-gerente.
“Comecei a trabalhar na loja aos 16 anos. Ali me casei, tive meus filhos, e continuei trabalhando, mesmo depois de aposentada. Fiquei até fechar. Todo petropolitano me conhecia e comprava comigo. Eu tinha que estar à frente porque antigamente todo mundo se conhecia no comércio”.
Como quando um dos fios da meia-calça desfia e, antes que se dê conta, a fileira se multiplica em carreiras, os acontecimentos dentro da loja geraram efeitos em média ou longa duração. Bem mais do que a rotina e o leque de mercadorias da época, pode-se dizer que a senhora Marly conserva as lições e emoções adquiridas naquele tempo.
“Vendíamos tudo quanto era tipo de meia feminina, masculina e infantil. Me lembro que havia um acordo com as fábricas de São Paulo. Às vezes tínhamos reunião no Rio e eles mostravam vídeos da produção para a gente entender como era feito. Dei tudo de mim e aprendi muito com eles. Foi a faculdade que não pude fazer”.
Da mesma forma, foi também em efeito cascata que se deu o envolvimento da família do senhor Jorge Câncio do Amaral no negócio. Se de 1918 a 1948, ano em que faleceu, foi ele, fundador, quem o gerenciou; dali foram os filhos Jorge Câncio do Amaral e Mozart Amaral, junto do primo Braz Geraldo Ferrante, os responsáveis por assumir o comando.
Sobrinho do senhor Jorge, irmão de Mozart, o arquiteto e fotógrafo Helcio Mano recorda as paixões do tio que, além das lojas, envolviam a construção de casas e a coleção de esculturas em mármore. E se, como ele mesmo apontava, cada escultor tinha uma história, cada comerciante e empresário também tem a sua.
“Ele era uma pessoa de um bom humor muito grande. E se tivesse confiança no funcionário, era certo de que a pessoa passaria o resto da vida trabalhando com ele nas lojas. Eram várias filiais aqui no Estado do Rio e ele ia pelo menos uma vez por semana em cada uma delas, sendo que tinha um carinho todo especial pela filial de Petrópolis”.
Chegando a comercializar mais de 1.200 modelos diferentes de meias, por incrível que pareça o empreendimento foi inaugurado com cinco contos de réis emprestados na Rua Uruguaiana, no Rio. É o que contaram os senhores Jorge e Mozart em entrevista à Revista da Associação Comercial de número 1.133, publicada em 1978.
A loja que teceu rede na cidade
Foto: Alexandre Carius. O lar das meias é hoje ocupado por uma ótica.
Sucesso no comércio varejista, a venda de meias chegou a mais de 15 unidades. Bastava procurar, que lá estava ela. Como dizia o slogan, “Ao lado de sua casa, há sempre uma das Casas Olga”. Fonte de inspiração nos negócios e em como se vestir, em Petrópolis a loja foi também inspiração de nome para a professora Olga Lima Tavares Machado, de 62 anos.
“Minha mãe e meu pai tiveram onze filhos. Eles tinham um gosto muito grande pela letra O e, como fui uma das últimas a nascer, acho que as Casas Olga foram uma boa inspiração. Não se conhecem tantos nomes com a letra O assim, então meu O veio daí. Com exceção da minha irmã mais velha que faleceu muito cedo, todos têm nomes que começam com O”.
E ela pode provar. Odilon, Odizia, Odete, Ozanan, Ossian, Olga, Orci, Hosana, Ondina, e Orzinda são os nomes que figuram na família. Para Olga, a ideia do pai era registrar Hosana sem o H, mas, por algum motivo, foi impedido e assim ficou. Mais tarde cliente da loja, ela ressalta a variedade de mercadorias oferecidas que atendia também gestantes.
Grávidas, crianças, mulheres, senhoras, homens. Lisas, bordadas, desenhadas. Para todos os perfis e ocasiões, os fios teceram rede na cidade. Destino das bailarinas, como foi o caso da professora Rosa Malena Martins Ferreira, de 57 anos, o negócio era, como aponta ela, referência na resistência.
“Eu fazia balé na Academia Rotima e ia sempre lá comprar minhas meias. A própria professora recomendava que a gente comprasse na Casa Olga. Lembro que a loja era muito arrumadinha e organizada também. Entrava muita gente porque tinha nome, tinha fama. Era tudo arrumado por tonalidade de cor, tamanho. Eu ficava encantada”.
Também fã das idas à loja, a advogada Ivete Maria da Conceição, de 55 anos, conta como era visitar sua madrinha de crisma e funcionária da loja, a senhora Ilda. Tida por Ivete como um dos estabelecimentos comerciais mais antigos dos quais se recorda, ela conta que as idas à Casa eram sinônimo de presentes por parte da madrinha.
“Minha madrinha trabalhou lá até se aposentar! Como naquela época não tinha telefone, para ver a pessoa tinha que ir até ela, então eu estava sempre lá e sempre tinha um presente pra mim. Todas as minhas meias foram dadas pela minha madrinha. Me lembro de umas coloridas que a gente usava com sandália, estilo dancing days”.
Reflexo de quem as fundou, as Casas Olga se destacaram por seu papel de ressignificação. Lar das meias, mais do que vestir e cobrir os clientes, a missão do negócio era em fazê-los se redescobrir.
Leia também: Casa Schanuel: onde o pedalar fez lugar