• Casa Ribeiro e o valor da tradição

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  • 03/04/2020 08:00

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    Especializada na venda de artigos masculinos, foi a Casa Ribeiro representante exclusiva dos estimados chapéus Ramenzoni na cidade de Petrópolis. Sucesso de vendas, foi na contratação do senhor Adélcio, contudo, que a família Bellino obteve sua mais valiosa e duradoura aquisição.

    A exemplo dos chapéus e suas variações de modelo, ao longo de seus 91 anos o senhor Adélcio Vieira Baião também obteve diferentes denominações. De filho, ou melhor, ‘Dequinha’ – como era chamado pela mãe sempre que aprontava na rua; o também ‘Loirinho’ se tornou marido, pai e ainda funcionário das Casas Ribeiro e Bellino.

    Foram pouco mais de 30 anos dedicados ao seu primeiro e único emprego. E por mais que ao menos meio século já tenha se passado desde que as atividades da loja foram interrompidas, o senhor Adélcio continua a zelar pela imagem e legitimidade do negócio. Isso, é claro, enquanto mantém a modéstia: “vou te falar o que eu sei, do meu tempo”. 

    Vindo de família humilde, foi nas dependências da Casa Ribeiro que o então garoto de 14 anos obteve, além do ganha pão – entregue em sua totalidade aos pais, preciosas lições sobre como se expressar e, sobretudo, vender. “Entrei para lavar chão, vitrine, banheiro. Nas horas vagas eu ficava olhando como eles tratavam o freguês”.

    E assim o fez até se tornar profissional de balcão, vitrinista, gerente da filial ‘Casa Bellino’ e, inclusive, sócio. Mas não é de se espantar. Empenhado como nenhum outro empregado, era o senhor Adélcio o primeiro a chegar ao estabelecimento em dias de enchente. Ele cita a vez em que, na madrugada, se arriscou e atravessou a cidade debaixo de chuva.

    “Eu já era sócio e tinha a chave, então saí a pé de lá do Quissamã para chegar na loja. Os bancos da praça tinham desaparecido e quando levantei a porta saiu a mercadoria toda”. Responsável a ponto de ter que lidar com alguns contratempos, foi também a seriedade do ‘Loirinho’ que o levou a se relacionar com ilustres fregueses. Um deles, Getúlio Vargas.

    Certas, as vindas de Vargas à Petrópolis durante o verão indicavam que eram altas as chances de vê-lo andar pelas ruas da cidade. Aliás, diz o senhor Adélcio que foi numa dessas caminhadas que o então presidente se interessou pela “baita vitrine com mais de 20, 30 tipos de chapéu” da loja. 

    ‘Dequinha’ recorda detalhes do atendimento a Vargas. Presente para os dois: para o presidente, que pela mercadoria não precisou pagar, já que a firma fez questão de dar a ele o item; e para o senhor Adélcio, cujas lembranças daquele dia permanecem vivas até hoje. “Cada chapéu vinha numa caixa e fui levar a dele de bicicleta no Palácio Rio Negro”.

    De bicicleta ou a passos largos – como nos episódios de enchente que viveu; é certo que o senhor Adélcio percorreu a cidade em nome dos Bellino. Quando não estava atrás do balcão ou à frente das vitrines, era ele quem recolhia, de Cascatinha à Rua Teresa, as contribuições dos clientes ao chamado ‘Clube da Roupa’, que corria pela loteria.

    No programa de fidelidade dos fregueses – que em parte se assemelhava a um consórcio, os clientes disputavam semanalmente concursos em que, quando afortunados, eram presenteados com um determinado valor em roupas. “Eram cem números, então eu tinha que arranjar cem fregueses. Por isso conheci tanta gente”, ri ele.

    Apostas encerradas

    Tudo bem que, em parte, os lances eram feitos com base no prêmio, mas antes mesmo que o ‘Clube da Roupa’ existisse, a impressão que se tinha frente à fidelidade da clientela era a de que o público apostava no português Alfredo Ribeiro Bellino – fundador do negócio – e em seus filhos Pedro, Armando e José.

    Com base na conduta dos fregueses, Pedrinho Ribeiro Bellino Junior, de 70 anos, optou por fazer o mesmo. Apostou no pai, Pedro, e no avô, bem como neles se inspirou para dar continuidade ao legado dos Bellino em Petrópolis. Ainda garoto percorria a loja com olhos atentos e curiosos; aos 15 fazia as compras do negócio e, já aos 18, assumia seu comando.

    “Precisei gerenciá-la quando meu pai ficou muito adoentado. Apesar de novo, fiz tudo com muita consciência. Cresci na loja e aquilo tudo me atraía”. Vocacionado para administrá-la, foi quem precisou tomar a difícil decisão de encerrar suas atividades no final da década de 70: período em que a informalidade do jeans ganhava cada vez mais adeptos.

    “Tínhamos uma freguesia muito tradicional e senti que se continuássemos a colocaríamos em risco”. Conceituada e por mais que destacada pela venda dos chapéus Ramenzoni, o verdadeiro valor da Casa Ribeiro estava na tradição, que de tão expressiva pontuou seu início, contribuiu para seu sucesso e implicou em seu fim.

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