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  • 09/08/2020 00:01

    A frase do título me foi dita pelo meu neto de seis anos, que está passando uns dias conosco aqui em Itaipava, após ouvir a musiquinha que abre o Jornal Nacional da TV Globo. Confesso que me surpreendi ao ouvir tal pergunta de uma criança tão nova. Sei que vem recebendo uma boa educação formal no excelente Colégio São Vicente de Paulo, no Rio; e, em casa, por aquela que lhe é dada pelos pais, que inclui leitura de livros infantis, disciplina e ajuda à mãe sobrecarregada em pequenas tarefas domésticas nessa época de estressante quarentena.

    Eu lhe respondi que só queria ver a pauta de notícias naquela noite. Ainda assisti o início do JN sobre os progressos da vacina contra o coronavírus. Mas, logo em seguida, desliguei a televisão. A convocação para irmos jantar soou o alarme estomacal. Mas continuei a me dar tratos à bola sobre o que ele havia me dito.

    A primeira coisa em que pensei foi que a TV Globo deveria se preocupar – e muito! – que uma criança de seis anos dissesse algo desse tipo. Pode estar refletindo as preferências dos coleguinhas. Mais grave ainda. Ou mesmo a influência dos pais. Certamente não é uma percepção positiva da emissora a longo prazo. Na verdade, meu neto parecia ter adivinhado o que se passava comigo já faz algum tempo.

    A cobertura, longa demais e viesada, sobre a pandemia vinha me incomodando há semanas. Pior: quase nunca nos informando sobre o número de mortos por milhão, ou a expressiva taxa de recuperação dos contaminados, como faz, por exemplo, o jornal da TV Bandeirantes. Saber a posição relativa do país face aos demais é fundamental para avaliar, positiva ou negativamente, as providências que vêm sendo tomadas. Aquela história do Gilmar Mendes sobre o genocídio que estaria sendo cometido aqui, ponderada pela população dos maiores países europeus, resultaria num duplo ou triplo genocídio levado adiante por aquelas nações, se aceitarmos o “diagnóstico” do ministro do STF.

    É por essas e outras que a caracterização da mídia tradicional, jornais, rádios e TVs, como confiáveis e as redes sociais como meios de comunicação irresponsáveis por veicularam fake news está longe de ser apropriada. As redes sociais, aqui e alhures, se tornaram canais de expressão da insatisfação popular, em vários países, para escapar do filtro discutível da grande mídia. Vangloriar-se de só noticiar informações após verificar serem verdadeiras não significa que a cobertura correta esteja sendo feita. Afinal, deixar de noticiar eventos importantes ou repassar versões tendenciosas dos fatos não se enquadra no chamado jornalismo profissional ou investigativo de boa-fé.

    E aqui penetramos numa área perigosa que levou parte das redes sociais a adotar a mal-humorada qualificação de Globo Lixo. Certamente, já tivemos a Globo Luxo de seus tempos áureos em que suas reportagens e novelas conquistaram outros países pela qualidade e criatividade.

    É evidente, diante de tudo isso, que a Globo, jornal e TV, precisa se reinventar, em busca de qualidade, criatividade e credibilidade. Não são poucos os amigos meus que não renovaram suas assinaturas do jornal, dando preferência aos grandes jornais de SP, Estadão e Folha. No Rio, faz tempo que perdemos o saudoso e confiável JB (Jornal do Brasil). É preciso reagir para que o Rio não se torne uma subsidiária de SP. Aquela história de ser outro país. Na verdade, o Brasil é que precisa ser um outro país, digno do que desejamos. E o sistema Globo pode ter um papel relevante nesse processo renovador se optar pela mudança necessária.

    Que tal dar um remexida em certos programas humorísticos cujo nível anda lá pelo tornozelo? No caso das novelas, a Globo incorporou há muito a técnica da visão do cachorro-engatado. Ou seja, a exploração de cenas frequentes de insinuações sexuais para prender a atenção do público. A apelação está presente cena sim e outra também nas novelas. Os seriados americanos e ingleses veiculados pela NetFlix e semelhantes sabem fazer a coisa na medida certa. Ou seja, é possível obter sucesso comercial sem ter que apelar para a técnica já mencionada.

    No caso do jornal, os colunistas de O Globo estão se aproximando, com poucas exceções, da máxima de Nelson Rodrigues de que toda unanimidade é burra. Em especial, nas críticas repetitivas ao governo federal. Não que Bolsonaro não tenha dado muita munição nessa direção, como o apoio ao procurador-geral Augusto Aras contra a Lava-Jato. Por outro lado, é notório o esforço do ministro Paulo Guedes em resolver questões que o país se dá ao luxo de requentar por 30 anos, ou mais. Afinal, as reformas da previdência e do saneamento foram aprovadas. E outras, pelo jeito, virão. A ideia da retomada do protagonismo do con-gresso partiu do próprio ministro ainda no início do governo Bolsonaro.

    Caberia ainda realizar um esforço nada fácil, é fato, para incorporar uma visão de longo prazo. Ir contra o curto prazo típico do dia a dia dos jornais. A historiadora Barbara Tuchman em seu famoso “Um espelho distante – O calamitoso século XIV” nos chama a atenção no prefácio para o fato de “a história registrada estar sobrecarregada do negativo, da sobrevivência desproporcional do lado ruim: do maléfico, da miséria, da disputa e dos prejulgamentos. Na história acontece exatamente a mesma coisa que ocorre na imprensa diária. O normal não rende notícia”. E nos alerta ainda que o normal é o que de fato prevalece na maior parte do tempo. (Talvez, se ela conhecesse a história da nossa malfadada república, ela abrisse uma exceção que confirmaria a regra.)

    De toda forma, ignorar o alerta do meu neto não parece ser a melhor coisa a ser feita. A prepotência é má conselheira.

    Autor: Gastão Reis Rodrigues Pereira

     

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