• Vítima das chuvas de 2013 não superou a perda do marido

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  • 10/11/2016 16:40

    “Não há um dia que não relembre tudo o que aconteceu em março de 2013. O barulho da chuva, os gritos, a lama, as sirenes”. A camelô Francisca de Fátima Santos, de 44 anos, estava em casa, na Vila São Joaquim, no Quitandinha, quando começou a chover. Na ocasião, um deslizamento matou o marido dela, a lama prendeu suas pernas e de uma das filhas, que na época tinha 8 anos e ficou presa até a cintura. Salva pelas equipes do Corpo de Bombeiros e por agentes da Defesa Civil, a camelô confessa que ainda não superou a tragédia que viveu. Francisca é uma das 773 beneficiárias de Petrópolis que recebe o aluguel social pago pelo estado do Rio de Janeiro. Sem o marido, cuida dos quatro filhos e, depois que viu a casa ser levada por uma barreira, passou a contar com os R$ 500 que recebe do estado para pagar o aluguel de uma residência no bairro 24 de Maio, que custa R$ 780. 

    Três anos se passaram desde que o temporal atingiu a cidade em 18 de março de 2013. Na ocasião, matou 16 pessoas e deixou 18 feridos. Além do marido de Francisca, morreram dois técnicos da Defesa Civil que participaram do resgaste da camelô e que ela recorda perfeitamente do momento em que um deles a tirou da lama, mas acabou sendo atingido por um novo deslizamento. Fernando Fernandes de Lima, 44, era especialista em resgate e foi subcoordenador de Defesa Civil. Francisca lembra que estava de mãos dadas com ele, quando a barreira o atingiu de maneira fatal. Paulo Roberto Filgueiras, 37, técnico em enfermagem e também especialista em resgates, presidente do grupo de voluntários Anjos da Serra, também foi uma das vítimas do deslizamento. Por conta de tudo o que presenciou, ela teve que recorrer a um tratamento psicológico e até hoje quando chove, sente o desespero do momento de pânico que vivenciou. 

    “Eu estava estudando porque ia ter prova na escola, quando começou a chover muito. De repente acabou a luz, veio um silêncio, seguido de muitos gritos”. Francisca estava cursando o 2º ano do Ensino Médio e tinha ainda o sonho de ingressar e concluir a faculdade de Direito. Mesmo tendo conseguido uma bolsa no ano passado, teve que interromper os estudos e até hoje tem que lidar com a maior perda que teve. Ela e o marido tinham se conhecido em Minas Gerais há 20 anos. Francisca era de Vitória, no Espírito Santo, e ele de Petrópolis. Por um tempo se comunicaram por telefone e mantiveram um relacionamento a distância. Depois se casaram e por 19 anos construíram a casa do Quitandinha. “Já estávamos programando as bodas de prata que queríamos comemorar em Blumenau, Santa Catarina, mas aí ele se foi”, disse. 

    Muito abalada com tudo que viveu disse que se incomoda com muito barulho e desenvolveu pressão alta e diabetes por conta da tragédia. “Perdi meu marido e tudo que tinha: móveis, a casa, minhas recordações. O que restou ficou cheio de lama. O lugar onde meus filhos nasceram e foram criados, toda nossa identidade, ficou para trás”, comentou. Atualmente, na 24 de maio, contou que vive em uma casa com dois quartos e, as duas filhas, de 12 e 20 anos, dormem no chão, porque não têm cama. Francisca paga as contas de casa com o dinheiro que recebe dando duro em um camelô, que fica na Vila Rica, atrás do supermercado Extra da Paulo Barbosa, onde trabalha de 7h às 18h todos os dias. Mas as vendas também não estão nada boas. “A sorte é que ganho a cesta básica e com o aluguel social consigo ter onde morar. Mas se o governo realmente suspender o benefício, não sei o que vou fazer da vida, com meus filhos, vamos ter que ir para debaixo do viaduto”, destacou ela, que não recebe o dinheiro desde setembro. 

    Defensoria Pública quer impedir a extinção do aluguel social

    A luta dos beneficiários acontece desde maio deste ano, quando o governo estadual começou a atrasar o repasse. Para piorar a situação na última semana, o governador Luiz Fernando Pezão anunciou o fim do benefício em 2017, o que causou desespero. Desde que começaram os atrasos já aconteceram manifestações no Centro da Cidade, inclusive durante a passagem da tocha olímpica em Petrópolis. Além disso, a Defensoria Pública chegou a fazer um arresto de R$ 3,7 milhões das contas do estado que estavam pendentes para o pagamento do aluguel social referente ao mês de agosto. Na época, a decisão foi dada pela 13ª Vara da Fazenda Pública da Capital. 

    Esta semana, a Defensoria Pública disse ainda que vai entrar com medidas para tentar impedir a extinção do Aluguel Social. O benefício hoje é pago a cerca de 10 mil famílias que aguardam pelo reassentamento definitivo, a maioria delas vítimas de enchentes. De acordo com a Defensoria, 35% das famílias foram retiradas de suas residências pelo próprio estado, com a promessa de reassentamento. O Aluguel Social paga R$ 500 para cada família e representa um custo de R$ 5 milhões por mês para o estado. Desde maio, quando ocorreu o primeiro atraso no repasse do beneficio, a Defensoria tem garantido o pagamento do benefício por meio de medidas judiciais. 

    A Tribuna entrou em contato com a Secretaria de Estado de Fazenda, que até o fechamento da edição não informou sobre a regularização do pagamento referente a 2016. 


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