• Uma alegria canina Denilson Cardoso de Araújo Escritor

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  • 18/05/2019 12:00

    Fazer alguém sorrir é premiar-se. A pessoa é concha, você o pescador de pérolas. Por fala branda ou anedota, canção ou brilho nos olhos, você mergulha na sombra do outro. Pelo teu empenho, o brilho esférico se revela. A pessoa te premia com a pérola, precioso sorriso das profundezas! Crianças conseguem muito isso. Impossível não sorrir no balbucio do bebê. Não ver bálsamo na gargalhada sem dentes, suprida pelo brilho dos olhos. Crianças são lavradoras de alegria. 

    Cães, que são um tipo de crianças, possuem igualmente essa capacidade. Embora, como escrevi na crônica “Medo de Cachorro”, o trauma de mordidas sofridas na infância só me permita relacionamentos cautelosos, não deixo de sentir a imensa virtude canina de gerar alegria. Eles se achegam, balançando a cauda com o coração, como alguém já disse, com olhares expressivos, que contemplam profundamente, sentem completamente, e por vezes espelham o sentimento que o dono vivencia. Percebem a agonia de uma alma, e se aboletam em seu colo, ou deitam em seus braços e dali emanam energias positivas que atenuam certos sofreres. Se o dono adoece, o cão monta guarda em sua cama, zelando pela melhora.

    Circula um vídeo por aí. Animação simples, traço rústico. O bonequinho riscado em preto no fundo branco, encontra alguém que sofre. Como uma espécie de vaso, o sofredor tem parte do corpo preenchida de trevas. O bonequinho abraça o sofredor. A carga sombria se transfere, sugada, para o corpo-vaso do primeiro personagem. O outro se torna límpido e segue feliz seu caminho. O bonequinho inicial se depara, então, com o casal que briga. Rompidos, vão cada um para um lado. Um deles, cheio de trevas, vai na direção do personagem solidário. Ganha o abraço que puxa toda a carga negativa. Novamente a purificação se faz e nosso herói segue, mais carregado de negror. No próximo encontro alguém, muito infeliz, vai pular da ponte. Nosso personagem apela, aconselha, socorre. O quase suicida estende os braços. Tocado pelo nosso generoso personagem, nele deixa todas as trevas e negatividade, e segue límpido, renovado. O nosso bonequinho agora está completamente coberto de trevas, cambaleia em sua caminhada de retorno à casa. Pesado de negrumes. Cumpriu muitas missões, todas penosas, ainda que belas. Mas como suportar, como se reabastecer depois de tanto se doar emocionalmente? Dentro da casa, um cão espera seu dono. Porque passou o dia solitário, está triste, também coberto de trevas. Quando a porta se abre, acontece o que o comediante Bill Maher descreve numa frase em que explica seu amor pelos cães: quando chego em casa ele é o único que me trata como se eu fosse um dos Beatles! Há grande festa, muitos saltos, abraços. Desse encontro, nosso herói e seu cão imediatamente veem desaparecer de seus corpos o peso e o negror. Ficam cristalinos, felizes, renovados. Capacidades do afeto de um cão. Repor energias nos cansados e dar luz aos amargurados. Não à toa começam a surgir hospitais “dog friendly”, nos quais cães são permitidos como terapia para os internos.

    Então, cultivemos em nosso coração essa alegria canina! Sejamos o ser que, quando encontra quem ama, o trata com um dos Beatles! E que transfere positividade, limpeza de pesadelos, faxina de mau gênio, higiene das trevas, fazendo o outro ficar leve, sentir-se amado e feliz, se derramar em sorrisos. Como um cãozinho. Límpido e sereno. Um pescador de pérolas. Um lavrador de alegria. 

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

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