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  • 25/11/2020 09:52

    Homilia do Mons. José Maria Pereira – Solenidade de Cristo Rei (Ano A)

    Um Rei diferente!

    Com a Solenidade de Cristo Rei do Universo, encerramos o Ano Litúrgico. No próximo domingo será o primeiro domingo do Advento, um novo Ano Litúrgico, início da preparação para o Natal! Ainda que as festas da Epifania, Páscoa e Ascensão sejam também festas de Cristo Rei e Senhor de todas as coisas criadas, a festa de hoje foi especialmente instituída para nos mostrar Jesus como único soberano de uma sociedade que parece querer viver de costas para Deus.

    Desde o anúncio do seu Nascimento, o Filho Unigênito do Pai, que nasceu da Virgem Maria, é definido “rei” no sentido messiânico, ou seja, herdeiro do trono de Davi, segundo as promessas dos profetas, para um Reino que não terá fim (cf. Lc 1, 32-33). A Realeza de Cristo permaneceu totalmente escondida, até aos seus trinta anos, transcorridos numa existência comum em Nazaré. Depois, durante a vida pública, Jesus inaugurou o novo Reino, que “não é deste mundo” (Jo 18,36) e no final realizou-o plenamente com a sua Morte e Ressurreição. Ao aparecer ressuscitado aos Apóstolos, disse: “Toda a autoridade me foi dada no Céu e sobre a Terra” (Mt 28, 18): esta autoridade brota do amor, que Deus manifestou plenamente no Sacrifício do seu Filho. O Reino de Cristo é dom oferecido aos homens de todos os tempos, para que todo aquele que acredita no Verbo encarnado “não morra”, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).

    O Evangelho de hoje (Mt 25, 31-46) insiste sobre a realeza universal de Cristo Juiz, com a maravilhosa parábola do juízo final, que São Mateus colocou imediatamente antes da narração da Paixão. As imagens são simples, a linguagem é popular, mas a mensagem é extremamente importante: é a verdade sobre o nosso destino último e sobre o critério com o qual seremos avaliados. “Tive fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa” (Mt25,35) e assim por diante. Quem não conhece esta página? Faz parte da nossa civilização. Marcou a história dos povos de cultura cristã: a hierarquia de valores, as instituições, as numerosas obras benéficas e sociais. De fato, o Reino de Cristo não é deste mundo, mas realiza todo o bem que, graças a Deus, existe no Homem e na História. Se pomos em prática o amor ao nosso próximo, segundo a mensagem evangélica, então fazemos espaço para o Senhorio de Deus, e o seu Reino realiza-se no meio de nós. Se ao contrário, cada um pensa só nos próprios interesses, o mundo vai inevitavelmente às ruínas.

    “Tive fome e me destes de comer…”. O texto evangélico ( Mt 25, 31ss) diz-nos que Jesus, o Filho do Homem, o Juíz supremo das nossas vidas, quis assumir o rosto daqueles que têm fome e sede, dos estrangeiros, dos que estão nus, doentes ou presos… enfim, de todas as pessoas que sofrem ou são marginalizadas. E, por conseguinte, o comportamento que tivermos com eles será considerado o modo como nos comportamos com o próprio Jesus. Não vejamos nisto uma mera fórmula literária, nem uma simples imagem; toda a vida de Jesus é uma ilustração disso mesmo. Ele, o Filho de Deus, tornou-Se homem, partilhou a nossa vida mesmo nos detalhes mais concretos, fazendo-Se servo do mais pequenino dos seus irmãos. Ele, que não tinha onde repousar a cabeça, seria condenado a morrer numa Cruz. Este é o Rei que celebramos!

    Isto pode, sem dúvida, parecer-nos desconcertante! Ainda hoje, como há 2000 anos, habituados a ver os sinais da realeza no sucesso, na força, no dinheiro ou no poder, temos dificuldade em aceitar um tal rei, um rei que Se faz servo dos mais pequeninos, dos mais humildes; um rei cujo trono é uma cruz. E, como ensinam as Sagradas Escrituras, é assim que se manifesta a Glória de Cristo; é na humildade da sua vida terrena que Ele encontra o poder de julgar o mundo. Para Ele, reinar é servir! E aquilo que nos pede é segui-Lo por este caminho: servir, estar atento ao clamor do pobre, do fraco, do marginalizado. A pessoa batizada que a sua decisão de seguir Cristo pode acarretar-lhe grandes sacrifícios, às vezes até mesmo o da própria vida. Mas, como nos recordou São Paulo, Cristo venceu a morte e arrasta-nos atrás de Si na sua Ressurreição; introduz-nos num mundo novo, um mundo de liberdade e felicidade.

    Assim é o Reino de Cristo, do qual somos chamados a participar e que somos convidados a dilatar mediante um apostolado fecundo. O Senhor deve estar presente nos nossos familiares, amigos, vizinhos companheiros de trabalho… “Perante os que reduzem a religião a um cúmulo de negações, ou se conformam com um catolicismo de meias-tintas; perante os que querem pôr o Senhor de cara contra a parede, ou colocá-Lo num canto da alma…, temos de afirmar, com as nossas palavras e com as nossas obras, que aspiramos a fazer de Cristo um autêntico Rei de todos os corações…, também dos deles” (São Josemaria Escrivá, Sulco, nº 608).

    Disse São João Paulo II: “A Igreja tem necessidade sobretudo de grandes correntes, movimentos e testemunhos de santidade entre os fiéis, porque é da santidade que nasce toda a autêntica renovação da Igreja, todo o enriquecimento da fé e do seguimento cristão, uma reatualização vital e fecunda do cristianismo com as necessidades dos homens, uma renovada forma de presença no coração da existência humana e da cultura das nações”.

    Continua São João Paulo ll ao encerrar o Jubileu do Ano 2000: “Terminando o Jubileu, retoma-se o caminho comum; no entanto, apontar a santidade permanece mais que nunca uma urgência da pastoral. Em primeiro lugar, não hesito em dizer que o horizonte para o qual deve tender todo caminho pastoral é a santidade. Assim, é preciso redescobrir, em todo seu valor programático, o capítulo V da Constituição Dogmática Lumem Gentium, intitulado “Vocação universal à santidade.”

    Professar a Igreja como santa significa apontar seu rosto de Esposa de Cristo, que a amou, entregando-se por ela precisamente para a santificar (Ef 5, 25-26). Este dom de santidade, por assim dizer, objetiva, é oferecido a cada batizado.

    Por sua vez, o dom se traduz num dever que deve dirigir toda a existência cristã: ““Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação.” (1Ts 4,3). É um compromisso que diz respeito não apenas a alguns, pois os cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade.” (S. João Paulo II, Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, 30)

    A atitude do cristão não pode ser de mera passividade em relação ao reinado de Cristo no mundo. Nós desejamos ardentemente esse reinado. É necessário que Cristo reine em primeiro lugar na nossa inteligência, mediante o conhecimento da sua doutrina e o acatamento amoroso dessas verdades reveladas. É necessário que reine na nossa vontade, para que se identifique cada vez mais plenamente com a vontade divina. É necessário que reine no nosso coração, para que nenhum amor se anteponha ao amor de Deus. É necessário que reine no nosso corpo, templo do Espírito Santo; no nosso trabalho profissional, caminho de santidade… Convém que Ele reine!”(Papa Pio XI).

    Cristo é um Rei que recebeu todo o poder no Céu e na terra, e governa sendo manso e humilde de coração, servindo a todos, porque não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para a redenção de muitos.

    O texto do profeta Ezequiel salienta o amor de Cristo-Rei, que veio estabelecer o seu reinado, não com a força de um conquistador, mas com a bondade e a mansidão do Pastor: “Assim diz o Senhor Deus: “Vede! Eu mesmo vou procurar minhas ovelhas e tomar conta delas. Como o pastor toma conta do rebanho, de dia, quando se encontra no meio das ovelhas dispersas, assim vou cuidar de minhas ovelhas e vou resgatá-las de todos os lugares em que foram dispersadas num dia de nuvens e escuridão” (Ez 34, 11-12).

    São Paulo ensina que a soberania de Cristo sobre toda a criação cumpre-se agora no tempo, mas alcançará a sua plenitude definitiva depois do Juízo universal. “É necessário que Ele reine…” (1Cor 15,25).

    Creio que o pensamento central seja este. Nossa vida se divide em dois tempos: o primeiro, aqui neste mundo, onde estamos vivendo. Nele encontramos Cristo como “Bom-Pastor”; a decisão depende de nós; é o que São Paulo chama o tempo propício ou o dia da salvação (2Cor 6,2). Chegará, porém, o momento em que se atravessará uma porta e se entrará numa nova fase: aquela em que se encontrará Cristo como juiz, em que a decisão não estará mais em nossas mãos, em que não haverá mais tempo para debate ou defesa, mas somente para sentença. Deixemos que Cristo reine em nossa vida! Deus não criou o mundo para uma espécie de jogo de se correr atrás, no qual nada é sério e nada é definitivo. “Lá onde a árvore cai, ali fica.” (Ecl 11,3); atrás não se volta, nem para informar os próprios irmãos, como queria fazer o rico avarento (Lc 16,27). Daí o absurdo da reencarnação pregada pelo Espiritismo: “O homem morre uma só vez, e logo em seguida vem o juízo” (Hb 9,27).

    Pedimos ao Senhor que nos reforce a vontade de colaborar na tarefa de estender o seu reinado ao nosso redor e em tantos lugares em que ainda não o conhecem.

    O Reino já está entre nós: é preciso buscá-Lo, é preciso encontrá-Lo. Deve ser recebido como um presente. Vem e acontece na medida da nossa colaboração, na livre aceitação de seus valores. É necessário que Cristo reine na nossa inteligência, mediante o conhecimento da sua doutrina e o acatamento amoroso dessas verdades reveladas. Que Ele reine na nossa vontade, para que se identifique com a vontade de Deus. Que Ele reine no nosso coração, para que nenhum amor se anteponha ao de Deus. Que reine no nosso corpo, para que seja templo de Deus. Que reine no trabalho, nas ideias, palavras e intenções.

    Queremos que Jesus reine em nossa família, na sociedade, no mundo. Devemos rezar, e muito: Venha a nós o Vosso Reino! Mas, a atitude do cristão não pode ser passiva. A festa de hoje nos chama a semearmos a paz, a justiça, a fraternidade, o perdão, a caridade e a santidade.

    Que esse Reino venha de fato ao nosso coração e ao coração de todos os homens: Reino de Verdade e de Vida; Reino de Santidade e de Graça; Reino de Justiça, de Amor e de Paz…

    Sejamos mensageiros desse Reino, na família, na rua, na sociedade, no ambiente de trabalho… E, que Maria, a Mãe Santa do nosso Rei, Rainha da Paz, Rainha do nosso coração, cuide de nós como, somente Ela, o sabe fazer! A Virgem Maria, que Deus associou de modo singular à realeza do seu Filho, nos conceda acolhê-lo como Senhor da nossa vida, para cooperar fielmente no advento do seu Reino de amor, de justiça e de paz. Que Jesus seja o Rei de nossas vidas, hoje e por todo o sempre.

     

    Mons. José Maria Pereira

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