• Tradições familiares

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  • 26/12/2016 12:00



     A data é errada, o presépio jamais foi um fato, o comprismo embaça a estrutura cristã da festa, o Papai Noel é um expropriador de manjedoura alheia, ode a pinheiros têm primórdios pagãos. A mim pouco importa. Lá em casa, o Natal era e continua sendo de Cristo. A fé no alvo correto santifica a ceia e a prece. O Natal, portanto. Mas longe de nós desprezarmos a chance de presentear. Jamais por determinismo comercial mas pelo prazer da fraternidade. E o fazíamos em modo barulhento, divertido, mesmo em família de tímidos. É que em toda família de tímidos uma ovelha desanda. 

     Em certo Natal, quando a família recebeu meu sobrinho, primeira criança em muito tempo, após o hino e a prece, esse meu irmão resolveu ser Papai Noel. Nossas prestativas irmãs levaram, então, o magrelo candidato a bom velhinho e, entre gargalhadas, lhe deram barriga de travesseiro, um velho casaco vermelho de mulher ajustado com um cinto preto, um gorro torto para chapéu e, de algodão desenrolado, colada com fita crepe, a barba temerária. Na mão, a sineta do carrinho de chá era sino de Belém e a fronha vinha como saco de presentes, nas costas. Chegada a hora, meu irmão pulava a janela do quarto e, tocando a campainha da porta da frente, surgia na sala em meio ao tropel de risos e ao susto do infante. No primeiro “rôu-rôu-rôu” se ia um pedaço da barba. No outro, a ponta do travesseiro saltava fora do cinto. A criança, desconcertada, desconfiava desse Noel em retalhos, mas respondia, sim, fui bom menino, e ganhava lá um carrinho. O Noel de araque implicava com a plateia, puxando a bochecha de adultos, indagando comportamentos passados, enquanto à volta a família despencava de rir. Isso foi tradição de muitos anos. Sempre no improviso, traje arranjado com o que na casa existisse. Era a regra. Quando o sobrinho cresceu, ele mesmo fez-se Papai Noel. E outro irmão. Até minha filha, aos 08 anos, exibiu-se nessa pantomima de algodão, repente e maravilhosa alegria familiar, em ocasião especial. Era uma doce esculhambação que defendia nossas crianças de crer em fantasia nociva, mas as ensinava que gargalhada boa jamais se desperdiça. 

     Como na corrida do “reveillon Araújo”. Depois da abençoada vigília de Ano Novo na Igreja, íamos para casa, à ceia, aos fogos, às farras. Na época, a corrida de São Silvestre era à meia-noite. Pois a nossa também. Enquanto quenianos corriam na Avenida Paulista, saíamos do portão de casa, atletas precários madrugada afora e ladeira abaixo da Rua João Caetano, até a Benjamin Constant, onde saudávamos a UCP, para contornarmos a Praça Duque de Caxias. Em desabalada carreira, fazíamos o retorno que culminava no sofrimento de escalar a ladeira implacável, na volta. No trajeto, zombaria, trapaça, fôlego escasso, piadas. As mulheres iam de carro, em gargalhada e torcida. Extenuados chegávamos da disputa sem vencedores que dava apetite para encararmos nacos de ceia com um vigor que, pedíamos a Deus, nos acompanhasse novo ano adentro. Alguns anos durou a brincadeira. O bastante para ser das nossas mais divertidas memórias.

     Hoje, com todos meio roliços e de ossos mais fracos, talvez não conseguíssemos amparar travesseiros na pança ou correr uma familiar São Silvestre. Mas vivemos essas divertidas experiências, bagagem boa de levar. Saudáveis tradições familiares são saúde da alma. Construa as suas, num Natal de fé em Cristo Salvador, que dê ao Ano Novo um transbordar de alegria.

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

     

     

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