• Sapataria Messa e o convite à apreciação

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  • 12/06/2020 15:56

    Nos grandes clássicos coragem e ternura são características intrínsecas a personagens de destaque. Em Petrópolis, houve um tempo em que eram três as sapatarias comandadas por italianos que, quase que como mosqueteiros, atuavam em defesa do ramo de calçados. Indissociáveis eram eles os Borzino, Schettini e Messa.

    Especialidade em calçados sob medida. É o que estampava a fachada da Sapataria Messa. Inaugurada por Theodoro Messa no início do século XX, foi na loja que seu filho, José  ngelo Messa, também construiu carreira. Descrito como um “gentleman” pelos moradores de Petrópolis, foi quem ficou a cargo do negócio até 1969.

    Dotado de um tino comercial sem igual, José  ngelo era capaz de convencer um cliente que buscava um determinado par de sapatos na cor preta a sair da loja com um modelo diferente do que se tinha em mente e, ainda por cima, na cor marrom. O caso é verídico e lembrado por seu filho, José Carlos Xavier Messa, de 72 anos.

    “O sujeito saiu feliz da vida da loja! Foi uma das primeiras técnicas de venda que eu aprendi: a de conhecer o seu estoque todo”. Ainda que tenha optado pela carreira de arquiteto, “Zé” Messa lembra das lições aprendidas junto ao pai, como a valiosa diferença entre o sapato que cede e o que continuará a causar dor, não importa quantos anos de uso.

    No meio da imagem aparecem, na porta, pai e filho: José Ângelo Messa e, ao seu lado direito, seu pai, Theodoro Messa, do qual foi braço direito no negócio.

    Sem nenhuma “indicação na testa” de que seu pai foi proprietário de sapataria, como brinca, um detalhe, contudo, era capaz de denunciar, em instantes, o envolvimento de sua família no ramo de sapatos: as (poucas) vezes em que, estudante, participou das ‘peladas’ da turma da Nilo Peçanha calçando um mocassim.

    Quem relembra o episódio é o jornalista Francisco Camargo, de 65 anos. Alguns anos mais novo que Messa, “Chico” conta como se deu a convivência com o colega durante a infância e a juventude. Mascote da turma de “Zé”, ele traz à tona as partidas de futebol do grupo e do mocassim que ficou para a história.

    “Do jeito que o pessoal saía da escola ia para a pelada. E o Zé não podia ver uma bola rolando que metia o pé, calçando mocassim ou não”. Chico desperta, ainda, outras de suas recordações, como a discrição e a elegância do senhor José  ngelo e a disposição das mercadorias da sapataria da qual era proprietário.

    “Sou curioso, e as vitrines, muito bem arrumadas, eram um convite pra você ao menos examiná-las mais de perto. Era o que eu, garoto, fazia”. Ciente da expressão comercial tida pelo estabelecimento, Chico mantinha uma postura de reverência a ela e ao próprio “Zé”, que, junto dos mais velhos, era automaticamente tido como referência pelos mais jovens.

    Reprodução/Internet

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    Cuidadosamente selecionados, os funcionários da Sapataria Messa não usavam manto como o grupo de guardas dos mosqueteiros, mas ainda assim sentiam-se privilegiados em fazer parte da tropa e dela receber treinamento. Foi lá, por exemplo, que Carlos Alberto Lopes, de 70 anos, começou a escrever sua própria história no ramo de calçados.

    Há quem diga que d’Artagnan foi inicialmente pensado como um personagem secundário dentro da trama maior da qual faria parte, mas que de tão ambicioso que se mostrou ao longo do caminho, fez por merecer seu lugar junto aos mosqueteiros. E talvez tenha sido esse o caso do ex-funcionário em questão.

    Empregado pela Sapataria Messa como balconista aos 13 anos de idade, Carlos Alberto colaborou com a loja até atingir os 18, quando serviu no Exército. A ideia era voltar para a Messa quando o tempo de serviço terminasse, mas foi justamente nesse período que o estabelecimento foi repassado e transformado em Sapataria Chuá.

    “Na Chuá fiquei mais de 27 anos e dali saí para abrir o meu negócio, que foi a sapataria Bom Passo”. Sem nunca ter tido “patrão na vida”, como brinca o senhor Carlos Alberto, tamanha a cumplicidade com os dois chefes que teve – José Messa e Antônio Augusto da Silva, ele atribui aos dois a obtenção da bagagem que o fez mosqueteiro.

    “Comecei como garotinho na Messa e, 56 anos depois, estou aí, no mesmo ramo. Hoje, por coincidência, tenho uma loja no mesmo endereço em que a sapataria funcionou”. De empregado à proprietário, Carlos Alberto se encaminha para sua 11ª loja na cidade com a mesma modéstia e coragem do rapaz de 13 anos de décadas atrás.

    E não é que 11 também é o número de irmãos da família de Maria Alice Bustamante Sá, de 65 anos? A sexta irmã dos onze, Alicinha, recorda as compras feitas pela família na Sapataria Messa. Para o ano letivo ou fora dele, as aquisições eram compiladas na conta que o pai, José, tinha por lá. Afinal, difícil era não se perder em meio a tantos pares.

    “Ia um, o outro, com a minha mãe, ou sozinhos. Éramos muitos, então não tinha jeito. Íamos pingadinhos. Lembro que tivemos muitos mocassins comprados lá”. Convite à apreciação do que, à primeira vista, poderiam parecer histórias simples, caracterizaram a Sapataria Messa seus personagens e, sobretudo, os valores por eles transmitidos.

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