• Sabor de Cacau e o gostinho de quero mais

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  • 27/09/2020 08:00

    Ainda que geólogo e, portanto, formado na ciência que estuda as transformações da terra, foi no comércio que o petropolitano André Monsores realmente fez a análise do terreno demarcado e, mais do que uma loja de produtos artesanais, projetou na ‘Sabor de Cacau’ a pedra fundamental para o desenvolvimento do encontro de amigos na Sete de Abril.

    Aproximar-se da edificação é como debruçar-se no passado do petropolitano de 58 anos. À beira da Avenida Sete de Abril, a casa mantém conservadas as lembranças do tempo em que os avós de André – Antenor e Maria – nela viviam e a ele transmitiam valores que, anos mais tarde, viriam a consolidar seu empreendimento.

    Fundada em 1986 no número 583 da referida rua, a ‘Sabor de Cacau’, loja especializada na venda de produtos caseiros e artesanais, surge pela busca de suporte financeiro – já que a primeira filha de André estava a caminho – e se mantém devido a uma outra necessidade: a do doce, não do chocolate, mas da prazerosa sensação de estar e crescer entre amigos.

    Foto: Arquivo pessoal Heloisa Prouvot

    Casa em que operou o Sabor de Cacau permanece preservada na Sete de Abril e ainda na família de André. Sua irmã, Claudia, mantém lá o espaço cultural ‘Vila Monsores’. Foto: Carla Karl

    “Até hoje não vi nada igual. A gente formou um círculo de amizade muito bom. Às vezes eu precisava sair para resolver alguma coisa na rua e deixava o negócio na mão deles”. Confiáveis, as relações proporcionadas pelo estabelecimento aconteceram com naturalidade, como explica Heloisa Prouvot, a Loia, que chegou a arrendar o espaço.

    Sua chegada no negócio aconteceu, em parte, ‘de surpresa’. Heloisa não tinha experiência com comércio e, tão despretensiosamente quanto se dedicava à culinária em casa, assumiu a ‘Sabor de Cacau’. Num misto de alegria e determinação, junto da cunhada Maria Lais Madureira de Ávila Pires ela transformou, sem nem perceber, o local num point da noite.

    “Os amigos começaram a frequentar e, com isso, além de docinhos e salgadinhos, passamos a oferecer uma cervejinha e a varar madrugada adentro”, lembra Heloisa. Onde ‘tudo aconteceu muito rápido’, ela, que tinha dois filhos pequenos, e Lais, que havia acabado de casar, de repente se viram à frente de um negócio digno de se fechar a rua.

    “Não estávamos preparadas para receber muita gente, mas as pessoas não pareciam se incomodar. Quando as poucas mesinhas que tinham dentro enchiam elas iam para fora”, completa Heloisa. Regidas por envolventes discussões sobre música, arte e política, as noites só eram dadas como concluídas no ambiente depois de uma dose de ‘camel’.

    “Todo mundo ia lá tomar a cachaça com mel, que acabou virando nosso carro-chefe. Servíamos num copinho rústico junto de um palitinho de madeira para misturar”, destaca Lais. Rústico, simples e modesto, o espaço dava seu jeito de cativar, mesmo com a estrutura incompleta e a falta de porta no banheiro, lembra ela enquanto ri da recordação.

    “No início era o bar lotado e aquela coisa do ‘vigia aí’! Depois um amigo trouxe uma porta, mas ela não entrava, então a pessoa tinha que carregar ela pro banheiro. Era muito engraçado”. Para o ex-frequentador assíduo Claudio Luiz Ribeiro de Oliveira, de 56 anos, ainda que pequeno no tamanho, o bar se fazia ‘gigante’ pelas pessoas que o ocupavam.

    “O Sabor de Cacau era sempre preenchido por uma quantidade incrível de pessoas que o tornavam grandioso. Músicos, corações e mentes abertas a um papo amigo”. É o que confirma a também ex-cliente da casa, a petropolitana Monica Winter, que confessa ter, semanalmente, marcado ponto no local.

    “Na época eu estudava no Rio, então tinha o espaço como ponto de encontro para estar com parte dos meus amigos, sempre às sextas”. Cativo e capaz de abrigar como nenhum outro, o ‘Sabor de Cacau’ operou por pelo menos 3 anos – já de volta à gestão de André no final – e deixou quem o conheceu com um insaciável gostinho de quero mais.

    “Eu diria que 70% das vezes em que eu saía, eu ia para lá. Era a garantia de encontrar gente conhecida e papo certo”, revela o ex-freguês Rogério Avelino, de 56 anos, cujo aniversário, comemorado em 27 de agosto, aliás, se tornou pretexto para reunir a turma que escreveu e contou histórias no bar num encontro anual.

    Onde amanhecia-se jogando carta e até teste de cachaça para integrar a diretoria do bar era realizado, o ‘Sabor de Cacau’, a exemplo do chocolate, se consolidou com base na ideia de que, na cozinha ou nos negócios, é preciso cuidado, atenção, tempo e, é claro, amigos que o façam crescer e que o mantenham vivo, ainda que fechado.

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