• Retrato de uma lembrança

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  • 28/11/2016 15:50

    O menino corre pelo fio da lembrança, mergulha no azul, chega ao mar que une todas as ilhas. Há um porto seguro dentro dele, atado aos sentidos: “vieram-me do viço da terra e do mar. Pousaram em meus olhos, pele, ouvidos. Outros impregnaram-me o olfato e paladar. Tudo de maneira natural, sem que fizesse esforço por muito querer.”

    Quem é do mar sabe que a melhor bússola está nos sentidos. O viver é uma trilha que aponta para a felicidade. Esta tem a esperança como uma fiel perseguidora. 

    A Poesia é inerente a todos os viventes, só que alguns têm a dádiva de ser Poeta. Fernando Augusto Magno é um dos que recebeu essa bênção de Deus. O Pessoa tem razão quando disse: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” “Era Setembro e Madrugava” veio por essa via, chegou às nossas mãos para que pudéssemos ter outra forma de encarar a vida com a tenacidade da ternura. 

    Fernando Magno, até em prosa, despeja lirismo: narra, descreve, disserta a incerta vida como um navio que segue o seu destino, sem ignorar as marés…

    “O homem é como um cais, donde está sempre partindo ou se despedindo de alguém ou de alguma coisa. Mas, de maneira recíproca, há de estar sempre chegando, ou se aproximando de alguém ou de alguma coisa. É a dualidade da vida. Assim é o Universo com o seu sistema bipolar de forças. É a lei que dá equilíbrio e sustentação a tudo o que existe. Mas se a partida é, por vezes, ruptura, um ato doído, a chegada é, muita vez, um recomeço, um ponto de esperança nova.”

    Assim Fernando Magno, no seu livro “Era Setembro e Madrugava”, sintetiza o viver em contínuos “encontros e despedidas”. São part-idas, ondas que vêm e vão, vão e vêm, mas não se repetem, sejam em dias de ressecas, sejam em dias de serenidade. 

    -Você se despede dos segundos que passam? Quais os que ficam gravados em nossa memória? 

    Leve, leve a vida sem o peso do rancor e do ódio. Mantenha vivo o menino sem amarras, sempre zarpado, porque o porto seguro é um estado de espírito. Essa “viagem de si a si mesmo”, que Carlos Drummond, com quem Fernando Magno trocou várias correspondências, adjetivou-a como “dificílima dangerosíssima”. Mas quem embarca nas lembranças do poeta manauense, encontra um menino destemido no convés de um navio que segue viagem entre “azuis desconcertantes”, que descobre “em suas próprias inexploradas entranhas a perene, insuspeitada alegria de con-viver”: “acordava-se em mim o navio na manhã./ Da vigia saltam olhos de exclamações:/ é espanto e alegria./ Ondas correm e pulam no ar/ derramando-se de azuis./ Alaga-se de sol o sorriso do menino.” 

    Esse menino é um timoneiro perseverante: “a felicidade era tudo que cabia no meu querer. E cabia tudo.” Para quem está embarcado na vida, a felicidade torna-se obstinação. Contudo é preciso saber que nem sempre os ventos sopram como convém. Mas quem está no convés sabe que a água do mar tem sabor de lágrimas.

    “Devo acrescentar, entretanto, que nem sempre a perda da visão nos leva a não enxergar. O acidente no qual fui vitimado, permitiu-me um mergulho em diferentes mares. Impregnou-se de poesia. Fez- nascer o escritor. Se me foi roubado certo jeito de ver, descobri outro. Tornei-me poeta carregando o mundo para além dos olhos.” 

    A poesia e a prosa de Fernando Magno são marcadas por imagens sensoriais, paisagens que alegramos os olhos da alma.  Quem leu “Às Margens do Olhar”, percebe claramente a ponte que leva a “Era Setembro e Madrugava”. Quem leu este precisa ler aquele, pois ambos revelam a travessia de Magno no mar da vida.

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