• Restaurante Paulista: casa de cheiros e temperos caseiros

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  • 19/08/2019 15:10

    Pautado pelo cardápio, era pelo Restaurante Paulista que se regulava o horário. E se às 10 saía a aclamada empadinha, era sinal de que estava na hora de dar aquela saidinha. Na fila, fregueses ávidos por cheiros e temperos caseiros. Extenso e diversificado, era o menu o também responsável por nortear o freguês de volta às raízes.

    Geográfica ou emocionalmente distantes daquilo que concebiam como lar, era nos sabores do Restaurante Paulista que os fregueses, independente da origem, pegavam o atalho para o aconchego de casa. Para a aposentada Soely de Souza Rossi, de 73 anos, foi a partir daí que o restaurante agradou das mais simples, às mais sofisticadas camadas da sociedade.

    “A comida de lá era maravilhosa, sem defeitos. Eles serviam a melhor couve e o melhor torresmo. E o bacana era esse: saber que foi assim que agradou a nata, já que aquele era um ponto de encontro das sociedades petropolitana, carioca e paulista. Roberto Carlos, Simonal e Carlos Imperial eram frequentadores. Foi uma época muito boa”.

    Inesgotável fonte de alimento para a alma, foi nas especiarias do Paulista que o porteiro e zelador Jorge Luiz Heffner, de 63 anos, encontrou refúgio nas noites frias em que trabalhou como chefe de plantão de uma funerária da cidade. Responsável por garantir as refeições da equipe, ‘não saía de lá’.

    “Eu almoçava e jantava lá todos os dias, então cheguei a experimentar diferentes pratos. Às vezes, quando estava frio, eu tomava muita canja. Era uma delícia. Eu pedia uma taça de vinho e colocava uma colher na sopa; mexia e acrescentava um pouquinho de queijo ralado e pimenta também. Não muda o paladar, mas esquenta mesmo!”

    Habituado a conciliar a rotina do estabelecimento com a sua de trabalho, Jorge relembra, ainda, as irresistíveis empadinhas que tornavam impossível comer uma só e a tradição do restaurante em bem servir a clientela. “Muita gente que vinha do Rio, naquela época, ao invés de ir direto para casa parava no Paulista para lanchar, tomar sopa, fazer seu lanche”. 

    Fachada do Restaurante Paulista atualmente. Foto: Bruno Avellar

    Fachada atual do antigo Restaurante Paulista. Foto: Bruno Avellar

     

    Senhor Dario: de garçom a proprietário

    O ditado diz que o bom filho a casa torna, mas e se dela ele nunca saiu? Pois foi o que aconteceu com o senhor Dario Ribeiro Maciel. Antes de sonhar em gerenciar o Restaurante Paulista, já estava acostumado a servir os fregueses e a estar próximo a eles; neste caso, como garçom.

    “O restaurante, que originalmente pertencia a um português, durou mais de 60 anos, de 1934 a 1995. Meu pai entrou lá novo como garçom, depois se tornou sócio e, só então, proprietário. Depois, quando ele se aposentou, ficamos eu e meu irmão, Leomar Ribeiro Maciel, já falecido, tocando a casa”.

    A fala é do aposentado Lupércio Ribeiro Maciel, de 64 anos, que, entre saladas, grelhados, assados e sopas, cresceu com o cardápio – e os sabores – do Paulista na ponta da língua. Filho do senhor Dario, ele relembra os mais de cem pratos que regiam os horários e rotinas dos clientes, ainda que o carro-chefe fosse o virado à paulista.

    “Todo dia tinha um prato diferente. Oferecíamos os típicos e os sofisticados, como é o caso do Tornedor Paulista, que levava fatias de pão de forma torrado, vinho branco, filé mignon alto, peito de frango, batata, tomate grelhado e palmito. Já no final de semana trabalhávamos mais com panelada: leitão, cabrito, coelho, rabada com polenta e agrião”. 

    Casa do abecedário do paladar, o restaurante agradava todos os gostos. Além dos pratos, caldos e sopas do dia, as variações à paulista, à mineira, à brasileira, à portuguesa, à moda, à veneziana, à lisboeta, à romana, à cubana, norteavam o freguês de volta às suas raízes, quaisquer fossem elas.

    “A gente comprava, toda semana, cinco ou seis sacos de 60 quilos de batata e de 10 a 20 peças de filé mignon. De segunda a sexta servíamos entre 100 e 120 clientes. Chegava sábado e domingo e isso aí dobrava. Tradicionais, as empadinhas faziam fila quando saíam do forno. A primeira fornada às 10 horas e, à tarde, por volta das 15 ou 16 horas”.

    Detentores dos temperos por trás das receitas, era nas mãos dos cozinheiros que estava o segredo. O metalúrgico aposentado e vigilante Célio Luiz da Silva, de 61 anos, relembra a passagem do tio, o senhor Antônio Mendes, pela cozinha do Paulista. De acordo com Lupércio, foram mais de 35 anos servidos com excelência à casa. 

    “Meu tio era muito requisitado e, como era ele o cozinheiro do Paulista, qualquer coisa servida lá descia bem. Quando ele não estava agarrado no serviço era muito participativo em casa. Costumava fazer refogado, pernil. Também me lembro que ele sempre levava uma sobrinha do Paulista. A gente aproveitava tudo. Era um momento espetacular”

    Desejado, o momento em que o prato era posto à mesa era de mexer com o psicológico da freguesia. A empresária Ariane Ferreira da Silva Borsato, de 56 anos, recorda suas idas ao local e as inevitáveis ‘manchinhas’ que teimavam em aparecer em suas bochechas de criança sempre que atingia o ápice de alegria com a chegada da comida.

    “Toda vez em que eu ia lá e comia alguma coisa que eu gostava muito eu ficava com uma mancha na bochecha. Era impressionante. Lembro também que as paredes do restaurante eram todas azulejadas com losangos em branco em azul na diagonal, sabe? Aí enquanto eu ficava esperando a comida eu ficava virando a cabeça para tentar entender os desenhos”.

    Capaz de proporcionar e sediar momentos de deleite, o Restaurante Paulista, com seus cheiros e temperos, era assim: quebra-cabeça em que, pautado pelo cardápio, regulava-se o horário.

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