• Remédios para a vida

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  • 14/10/2020 09:40

     

    Os idosos ficam, por aí dizendo, que seu fim está próximo, que a morte ronda sua cama e vigia seus passos; ficam temerosos de fazer isso ou aquilo, ir e vir por ai, com aquela cautela natural de qualquer idoso, cuidado que não o defende de um mal súbito ou a recusa das pernas em leva-lo adiante, fazê-lo tropeçar, cair, fraturar ossaturas e bater com os costados, finalmente, nos leitos hospitalares ou nas poltronas das casas de repouso.

    Ou, ainda, enfrentarem complicações e muitos deles dizendo, com triste amargor: – Estou na idade do condor; é dor aqui, dor ali, dor no corpo inteiro da cabeça aos pés.

    Pois assim é, meu velho, os achaques aparecem com a idade que vai perdendo o viço e a destreza outrora gloriosa da perfeita saúde física e mental. Tudo vai se modificando e o remédio único e eficaz é tentar acompanhar o ritmo da moçada, com algumas cautelas e consciência plena das limitações que vão tomando todo o corpo e ditando os rumos do comportamento na vida que avança. Que não para. Que vai se atropelando no ritmo dos ponteiros dos relógios e nas trocas das auroras desenhadas nos horizontes para onde o sol cai ou surge lentamente. Mais um dia; menos um dia e lá vai o tempo consumindo tudo, deixando rastros que viram poeira e se misturam ao lixo espacial que nos rodeia.

    Somos todos seres dessa engrenagem fantástica de idosos, adultos, adolescentes, crianças, unidos pela instituição da família, sob muitos incidentes próprios e gerados por nossas incertezas que conduzem a sociedade a erros e acertos: a história da humanidade está ai para comprovar o cataclismo da vida que as gerações têm construído como destruído através das eras já mortas.

    Eu estou idoso, com idade acima dos 80 anos e não me entrego. Dedico meu tempo a tarefas que sempre fiz, aprecio, entendo que tenho capacidade para os rabiscos que invento. Procuro não dar trabalho aos familiares, penso como antes, naturalmente com uma teimosia de velho aqui e ali, que procuro policiar e controlar, sem esforço e sem sofrimento. Já levei tombos, cai, levantei, consertei, como sempre na vida que já passei. Quanto ao espectro (vocês sabem quem é), não dou a mínima e até crio literatura com ele. Hoje, enxergo pouco, ouço menos, se aumento a passada resfolego, subo muitos degraus diariamente e confesso chegar lá em cima com a respiração acima do desejado. E, assim, vou tocando e sei bem qual é o meu destino. Nada a temer.

    Sim, porque tudo morre e ninguém fique por ai resmungando e remoendo pelos cantos que a senhora macabra está na espreita. Deixe de lado essa chata e viva, meu amigo, sob o máximo de felicidade que puder, sabendo que os reflexos, as destrezas evoluem para trás, caminham à paralisação. Assim, viva, construa, continua criando e, se puder, corra a São Silvestre no Ano Novo, caminhe por aí, assista partidas esportivas, leia, viaje, encontre os amigos nos bancos das praças, converse… E se não gostar de nada disso, construa seu viver com seus conteúdos inatos e, por favor, meu amigo idoso como eu, não reclame muito, dê sossego aos familiares, integre-se à vida deles com sua experiência de vida e a vontade de aumentar o prazo de validade. Ah! E não esqueça de tomar os remédios prescritos pelo seu médico.

     

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