• Racismo tem crescido no futebol e LPD tem atuado junto aos clubes para inibir

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  • 06/01/2020 12:00

    Racismo no país da miscigenação de povos (principalmente europeus e africanos), cuja a maior parte população é formada por negros e “pardos” (segundo critério adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) é por si só uma incoerência. Ainda assim, mesmo representando a maior parcela dos brasileiros, negros são vítimas diárias de discriminação por causa cor da pele. O que é ainda mais contraditório nessa realidade é que o esporte mais popular por aqui – o futebol – que projetou a imagem do Brasil no mundo através de ídolos negros como Pelé, Garrincha e tantos outros têm visto crescer essa realidade tenebrosa.

    Um levantamento divulgado recentemente pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol apontou um crescimento de 27,2% no número de casos registro de ocorrências de injúria racial em 2019. Foram 56 casos no ano passado. Contra 44 registros em 2018. Um crescimento que aconteceu justamente no em que a Confederação Brasileira de Futebol – CBF, sob orientação da FIFA, implantou o Novo Código Disciplinar, dando mais poder aos árbitros na luta contra injúrias discriminatórias.

    O Observatório, que faz o levantamento desde 2014, também apontou outras seis ocorrências em competições Sul-Americanas e mais 14 casos envolvendo brasileiros pelo mundo. Na França, pela Champions League, o zagueiro Marcelo, do Lyon, viu um torcedor invadir o campo com um cartaz mostrando a imagem de um burro pedindo para que ele saísse o clube. Outra vítima foi o atacante Taison, do Shakhtar Donestk, que sofreu ofensas racistas durante a partida contra o Dínamo Kiev. Ele reagiu e acabou sendo expulso e punido com um jogo de suspensão. A entidade máxima do futebol tem reagido. No ano passado, a Fifa adotou um protocolo que prevê punições às entidades em caso de atos discriminatórios, o que envolve torcedores, jornais e até mesmo dirigentes. Na Chelsea e Brighton, pelo campeonato inglês, na semana passada, três pessoas foram presas. No Brasil, não houve prisões.

    Um cenário nacional, global. E também local. Até porque o racismo não tem fronteiras. Em 2016, um caso foi registrado em uma partida do Campeonato Municipal de Futsal em Petrópolis. Torcedores de um clube da cidade, ofenderam um menino em quadra, que jogava por outra equipe. O caso acabou não sendo registrado, mas ganhou repercussão nas redes sociais. O que levou a Liga Petropolitana de Desportos – LPD a tomar uma atitude junto aos clubes. “A gente fez reunião extraordinária. Paramos o campeonato. Junto com o Ministério Público, com o doutro Odilon (o promotor de Justiça da Infância e Juventude do Município Odilon Lisboa Medeiros). Tivemos longas conversas. Fizemos um longo planejamento. Todos os clubes foram obrigados a colocar em suas sedes, em suas quadras e ginásios cartazes educativos sobre o racismo”, relata o presidente da LPD, Geraldo Barros.

    Ainda a pedido do MP, houve mudança nos regulamentos das competições municipais. “Foi um pedido para que tivesse punições. Não só punições esportivas, mas também punições pessoais – em âmbito criminal. E a liga continua fazendo monitoramento em todos os campeonatos. Depois desse caso, nunca mais tivemos um problema desses”, informa o presidente da LPD. Segundo o presidente do Serrano, um dos clubes mais tradicionais da cidade, o clube tem atuado para eliminar os casos de injúria racial educando os jovens e crianças das categorias de base do clube. “O Serrano é um clube formado por pessoas de raças, orientação e classes sociais diferentes. Por isso, nós não aceitamos que haja no clube qualquer tipo de discriminação”, ressalta Alexandre Beck, presidente do Serrano. 

    Dois anos depois da iniciativa que envolveu clubes, a LPD e o MP houve um caso de racismo, mas fora das ligas municipais de futebol. Em 2018, durante os Jogos Jurídicos, que reuniu na cidade estudantes de cursos universitários de direito das principais instituições de ensino do estado, a equipe da Atlética de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Puc-Rio) acabou punida na Liga Jurídica Estadual depois de denúncias de injúria racial envolvendo alunos.

    “A divulgação dos casos encoraja a denúncia contra o racismo”, diz Marcelo Macedo sobre aumento de casos registrados no país

    Aos 36 anos, Marcelo Macedo encerrou a carreira no Serrano FC. Nascido em Petrópolis, ele teve passagem pelo Fluminense, onde jogou ao lado de Romário no início dos anos 2000 e, em 2006, pelo Flamengo. No ano seguinte, pelo Madureira, no Campeonato Carioca, foi destaque ao superar Pelé em um jogo contra o Flamengo. Ele fez quatro gols no rubro-negro. Pelé “só” havia feito três gols sobre o Fla.

    Na carreira, o petropolitano passou por 20 clubes. Jogou por times de seis estados e cinco países – além do Brasil, teve passagem pela Coreia do Sul, Grécia, México e Colômbia. Foram mais de 20 anos de carreira. E durante todos esses anos, conviveu com o racismo. “Dentro de campo, nunca tive preconceito. Passei por vários lugares, vários países, vários continentes. Mas fora de campo, a gente nota sim. Nunca tive nada diretamente, mas você percebe as vezes um olhar diferente, quando está em um estabelecimento. Não vou citar qual, mas já morei em cidade que você passa por constrangimentos por causa da cor e também por ser jogador de futebol”, ressalta Marcelo.

    Treze anos mais jovem, o atacante Dener Henrique estreou no futebol profissional ao lado de Marcelo, no Serrano. A diferença entre eles é de uma geração. E mesmo assim, o jovem jogador também precisou aprender a lidar com o racismo. “Uma geração diferente, idades diferentes, mas o preconceito não mudou. Não só nos estádios, mas em todos os lugares. Existe muito preconceito, muita injúria racial. Nos tempos de hoje isso não deveria existir mais. Aliás, nunca deveria ter existido”, avalia Dener.

    Para Marcelo, a pesquisa que apontou o crescimento do racismo é um reflexo de uma mudança de comportamento. Não do agressor, do racista, mas da vítima do racismo. “O aumento (na pesquisa) se dá muito pela coragem que as pessoas têm tido para denunciar, dada divulgação e repercussão que esses casos têm tido na mídia. Principalmente, quando a denúncia parte de um atleta famoso, que atua em um grande clube. Mas, sempre teve. É algo que é corriqueiro, não só no futebol, mas em todos os esportes. E até mesmo fora dele o atleta sofre preconceito”, afirma.

    E para as duas gerações de jogadores um questionamento: como enfrentar o racismo? “Na vida e no esporte, as pessoas tentam usar a tua cor para te diminuir de alguma forma. Essa questão do preconceito está em tudo quanto é lugar, tudo quanto é país. Em alguns menos, outros mais. É uma questão cultural. Essa questão do racismo passa de pai para filho. É um preconceito que vem dos pais. A gente tem ser forte e manter a cabeça erguida e saber que todos nós somos iguais”, diz Marcelo. “Temos que enfrentar, repreender e denunciar. Quando acontece a gente quer agredir também. Mas, não podemos devolver o mal com o mal”, acredita Dener.

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