• Por uma sensibilidade inteligente

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  • 23/02/2020 17:58

    O tempo é como o vento que faz e desfaz dunas. As convicções são construídas e desconstruídas no silêncio do passar das horas. A desconstrução de preconceitos consiste em uma forma evolutiva do ser que procura lapidar-se interiormente. Esse processo contínuo que exige mudanças efetua-se por meio do questionamento sobre o viver.

    A vida é esta estrada que o tempo traça exigindo coragem para desvelar verdades ao longo da caminhada. A realidade não esconde os percalços desta travessia. O viver é surpreendente: o ontem trouxe um hoje que não será o amanhã. Isso é o alimento da esperança. E esta constrói a fé. Creio no hoje para atravessar a noite e ver o Sol da manhã amanhã. A dialética da vida é construída pelas adversidades, portanto, os conflitos são inevitáveis. A polarização das opiniões é eterna, já está provada pela história. Basta questionar-se para criar um conflito interior que precisamos vencer: temos que ser heróis de nós mesmos. Temos que acreditar no nosso potencial e saber usar o nosso talento para despertar o amor próprio, longe do egocentrismo. Amar-se para melhor amar o outro como a nós mesmos.

    Em conversa entre amigos, levantei a hipótese de que a margem da inspiração na obra literária é pequena, às vezes inexistente, porque a linguagem na função poética requer técnica que se aprimora com o exercício constante do ofício. A relação entre forma e conteúdo exige uma concisão que não é obra do acaso.

    As sutilezas da percepção do real ganham contornos poéticos quando têm a essência do belo. Assim como um fotógrafo capta os raios do crepúsculo em momento único, é possível encontrar, na arte literária, os versos de um poeta que usa a palavra não só para dizer o que sente, mas para externar a alma em instante de dor ou de felicidade. O manejo do verso não é um ato aleatório. Quando ocorre sem a devida atenção, as palavras caem no vazio e o poema perde consistência.

    Quando toco nesse assunto, lembro a crônica de Clarice Lispector, publicada no JB em 02/11/1968 com o título “Sensibilidade Inteligente”: “As pessoas que falam de minha inteligência estão na verdade confundindo inteligência com o que chamarei de sensibilidade inteligente. Esta, sim, várias vezes tive e tenho. E, apesar de admirar a inteligência pura, acho mais importante, para viver e entender os outros, essa sensibilidade inteligente.”

    Em “Intelectual? Não”, ela disse: “O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.”

    Acho que essa “sensibilidade inteligente” é confundida com inspiração. Para deixar o coração pulsar e não o censurar, ao expressar o que sente, é preciso coragem; pois, quando isso ocorre, há o risco de sofrer críticas afiadas na pedra da negatividade.

    Outro ponto, sobre o qual tenho uma posição antagônica: – não concordo com o discurso que faz apologia à droga e ao alcoolismo como propulsores da criação artística. A arte não é fruto da alucinação.

    Diante das frustrações, as consequências das drogas são mais visíveis. Já padecemos muito com a perda de excelentes artistas que não conseguiram se libertar das celas dos vícios.

    A criatividade não está subjugada a nenhuma droga. A verdadeira lucidez encara a realidade sem mecanismo de fuga. A vida da arte tem a linguagem como trincheira. A Poesia é um ato em defesa da humanidade.

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