• Por encanto

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  • 26/09/2016 12:00

    A vida. A ida. A partida. Vi idas, partidas nas águas de rio. O que lhe conto desaprumado, não é pelo trágico, é pelo encanto. 

    Peço licença para lhe contar pelo modo que vivi, quando menino, na beira do Parnaíba. O povo bota na crença aquilo que a Ciência não explica. É o jeito de buscar um jeito de ajeitar tudo que o destino desarruma. É petulância da gente querer colocar-lhe cabresto. O que é de sina, a vida ensina. Isso, digo-lhe de cadeira. Esquentei banco em faculdade, mas nestas horas, mais vale o que a vida caleja pelo desandado. Na minha idade, o que aprendi, quando menino, é o que mais aflora. Só agora, sei por que é bom acordar no raiar do dia. Os raios do sol vêm de mansinho, clareia e a gente pega água limpinha e quieta na cacimba. Mata só a sede.

    Sou do sertão de corpo e alma.

    Quis lhe falar um pouco do meu já caminhado, porque me tornei retirante, quando tinha pouca idade. O tempo maior, passei fora da minha terra. Mas assim, entendi que há “sertão em toda parte”, até dentro da gente.

    Não lhe trago nenhuma explicação. Mas já passei apertado em águas largas. Não sou largado por Deus, nem por Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. DEla sou devoto. A fé é que faz o santo. Cada um tem um anjo, que o guarde. Reze por ele. Tudo dado por Deus, que não cabe no nosso entendimento. A morte é um corte. O que não é parido é chocado. A vida vem e vai. A lágrima não é exclusividade da tristeza, é possível chorar na alegria, até de tanto rir.

    A morte do moço da novela também me desaprumou. A realidade tem as suas ficções. Como explicar, para quem fica, o dia, a hora e o modo da partida? O Velho Monge, o Velho Chico e outras águas que seguem para o mar guardam mistérios que estão além da compreensão humana. O rio não é só um monte de água que desce em um leito. Há muitas vidas em suas margens…

    Não lembro ter visto a vida imitar a arte no mesmo piscar de olhos. Também perdi amigos, quando menino, nas águas do rio Poti e do Parnaíba, rios que banham Teresina. A agonia no leito de rio não é a mesma que se vive em leito de hospital. Na água, a morte não demora. 

    Queria poder dizer alguma coisa à Pitanga. A dor de quem fica é tão grande que a gente chega a querer trocar de lugar com quem partiu. Conheço bem essa dor. Guardo uma do tempo de menino, bem quieta, no silêncio. Essa ferida tem casca, mas ainda não é cicatriz. Nessas horas, ninguém é ator, nem atriz. É o humano que se depara com o nada. 

    Quem tem ciência das próprias limitações consegue entender facilmente, que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar”. 

    O moço partiu. Não foi o pano que caiu, foi o céu que se abriu. O palhaço lhe deu um sorriso farto, uma alegria que manteremos na lembrança para acalentar a saudade. Quem tem calo no coração sabe que, como o carinho, a palavra toca a alma. Mas é o silêncio que contém o mistério do encanto. Não é bom buscar explicação, quando o irreversível da morte ainda sangra. O ver-e-dito que o destino traz nem sempre nos convence. Aceitamos, porque não podemos mudar para fazer valer a nossa vontade. 

    Somos humanos tão efêmeros que fenecemos no correr das águas. Melhor deixar o porquê falar por si. Investigar? Deixemos para quem tem essa profissão. Vamos seguir com a vida, com mãos, pés e coração calejados. 

    No picadeiro da vida, Domingos foi bravo! Aplaudido de pé!

    – São Francisco! Eu sei que o homem, neste universo, é apenas um cisco. O mundo, um aprisco.



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