• Picharam o Museu Imperial

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  • 18/02/2017 11:20

    Na madrugada escalaram a grade do Museu Imperial, pelo antigo bosque do Imperador. A noite sem Lua favorecia a ocultação da trinca de pichadores. De mochila e roupa escura, escondiam o rosto na touca ninja ou no lenço negro de cowboy. Esgueiraram-se até a varanda dos fundos do prédio. Subiram dois, um ficou embaixo. Todos sacaram suas armas: latas de spray. Por largo tempo, usurpadores do universo, espirraram tinta na história. 

    Na manhã do dia seguinte, estupefata, a cidade viu as inscrições repetidas exaustivamente, cobrindo todas as faces do prédio. “Bixopixo”, marca que conspurcara já os Correios e placas de monumentos; “Graficho”, inscrição dum cultor de arabescos. E tinha o frasista de paredes alheias que, no Museu, se alongou: “Pixo, logo existo. Império do pixo, é nóis!”.

    Petrópolis penava com sujeira e estátuas roubadas no centro tomado de moradores de rua e maconheiros ao léu. Agora via aquele sítio precioso, maravilha brasileira, patrimônio histórico, casa do Imperador, gradeado pelo trançado de tinta que arrancara do palácio seu cor-de-rosa. As inscrições repetidas o percorriam em todos os sentidos, enganchadas umas nas outras, como se um ser maléfico tivesse atirado tarrafa de fios negros que se enroscaram em todo o prédio. Como se um demônio tivesse vomitado teias de aranha sobre ele. O caso explodiu nas manchetes. Helicópteros de telejornais exibiam o acinte que gritava nas bancas do dia seguinte com o pasmo dos turistas chocados.

    Coniventes de sempre historiaram ligações entre pichação, grafite e arte. Lembraram pichações romanas na Pompeia preservada em cinzas do Vesúvio. Repetiram ser grafite arte urbana reconhecida em galerias e catálogos especializados. Citaram brasileiros de renome como Kobra e Osgemeos que ganham em dólar para grafitar mundo afora. Queriam a pichação respeitada como embrião do grafite, rudimento de arte, expressão de marginalizados. 

    Inconformados retrucaram. A maioria dos pichadores não vira artista, permanece vândalo. E se crime pode ser expressão, teremos que aceitar assassinos que reivindicam status de arte até para a queda das Torres Gêmeas. Os inconformados disseram aos coniventes que liberassem suas próprias casas para livre ação dos pichadores. Os coniventes tiraram o corpo fora, sofismando: não nos enrolem, cá tratamos das pichações do Museu Imperial e do valor artístico que possuem.

    Um sujeito que ouvia a conversa, cansado de ver o muro da própria casa pichado, repintado e de novo emporcalhado, exausto da cidade vandalizada, farto de ver – em nome da tolerância com o intolerável – o império da sujeira vomitado nas ruas, subiu num banco da praça e bradou: “Ninguém pode usar para si espaço, muro ou parede pública, pois o que é de todos, não é de ninguém. Já o que tem dono, de outro não é. Não pode outro usar espaço, muro ou parede privada. Vamos acabar com essa porca palhaçada!”. Foi ovacionado. 

    A polícia, que localizara os pichadores, não conseguiu conter a multidão que, num arroubo de civilidade coercitiva, arrebatou-os da mão dos coniventes e a eles impôs detergentes, vassouras, tinta, rolos e pincéis, obrigando-os a limpar toda a sujeira da cidade e corrigir todo o vandalismo de que tinham sido autores. Apenas um dos três pichadores aceitou a matrícula na escola de arte que lhes foi oferecida. Outro sumiu e o restante foi morar em novas manchetes policiais.

    Esse texto não aconteceu. Ainda.

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

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