• Petrópolis registra até 5 estupros por mês

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  • 13/06/2016 08:47

    Em um mundo onde é maior a probabilidade de que mulheres de 15 a 44 anos morram vítimas de estupro e violência doméstica do que de câncer, acidentes de carro, guerras e malária – de acordo com dados do Banco Mundial –, o caso do estupro coletivo de uma menina de 16 anos no Rio de Janeiro fez o país se voltar para uma questão social que, infelizmente, abafada e silenciada na maioria dos casos, está longe de ser “matéria vencida”. É preciso falar, falar, falar até que não aconteça mais.

    Em Petrópolis, só neste ano foram registrados 21 casos de estupro nas delegacias, uma média de cinco casos por mês, de acordo com estatísticas (até abril) do Instituto de Segurança Pública (ISP). Porém, infelizmente, é bem provável que o número de violência contra a mulher seja bem maior. Especialistas acreditam que apenas 10% das vítimas vençam todas as dificuldades psicológicas e sociais e façam a denúncia à polícia.

    A promotora de investigação penal Maria de Loudes Féo Polonio chama a atenção para o fato de que, para que uma denúncia na delegacia se transforme em um processo judicial, é preciso que o trabalho de investigação da polícia dê à Promotoria a autoria (identificação do criminoso) e à materialidade (provas do crime), sem os quais não há como o caso ir à julgamento. Talvez por essa razão, apenas 6% dos 4.887 casos registrados no ano passado no Rio de Janeiro tenham se transformado em processos judiciais.

    De acordo com a promotora Maria de Lourdes, em Petrópolis só este ano (até maio) foram feitas 17 denúncias formais – peça técnica que é enviada ao Fórum, que, por sua vez, distribui as denúncias entre as varas criminais. Das denúncias feitas pela promotora, a maioria é referente a crianças e adolescentes. Dos 17 casos, 15 foram enquadrados no Artigo 217-A do Código Penal – que caracteriza estupro de vulnerável (criança ou pessoa incapacitada), considerado o mais grave. Dois casos foram enquadrados no Artigo 213 (referente a estupro de pessoa capacitada), sendo um com pedido de prisão preventiva. Além desses, uma denúncia foi feita, enquadrada no Artigo 241- D do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), referente à pornografia infantil na internet (mas essa não entra na estatística de estupro).

    A legislação brasileira que trata do estupro evoluiu ao longo dos anos. A partir de 2009, A Lei 12.015 alterou o código penal e passou a definir estupro como o ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Isso significa que para ser enquadrado como crime de estupro não é necessário ter havido penetração, mas qualquer situação de violência e abuso sexual.

    “Nosso trabalho é conscientizar as mulheres de que elas têm que denunciar. Não podemos deixar crimes como esse impunes”, afirma a advogada presidente da Comissão Mulher da OAB-Petrópolis, Priscila Braga Rodrigues. “A maioria das mulheres não denuncia porque tem medo… Elas não entendem que a Lei é totalmente favorável a elas”. Em Petrópolis, a delegada da 105ª Delegacia de Polícia, Juliana Menescal, considera que as mulheres “são sempre apoiadas” quando vão à delegacia fazer uma denúncia de estupro. A 105ªDP tem um Núcleo de Atendimento à Mulher que funciona de segunda à sábado, das 10h às 18h. Além disso, fora desse horário, sempre há, pelo menos, uma mulher em cada equipe policial e as vítimas têm o direito de solicitar que sejam atendidas por ela.

    Porém, é preciso ressaltar que não são todos os lugares que oferecem o apoio e suporte necessários para aquelas e aqueles que vencem todas as barreiras e chegam ao ponto de denunciar. Fato é que o quadro de dificuldades muitas vezes é agravado pelo despreparo dos investigadores no interrogatório das vítimas. Muitas vezes as mulheres são ouvidas partindo do princípio de que estão mentindo ou omitindo. O delegado que estava à frente do caso do estupro coletivo na capital fluminense, Alessandro Thiers, foi afastado do caso no final do mês de maio e dispensado na última terça-feira (7) da titularidade da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI). O Ministério Público do Rio determinou, na ocasião do afastamento, que ele fosse investigado por crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que submete criança ou adolescente a vexame ou constrangimento. Se condenado, ele pode pegar até dois anos de prisão.

    De acordo com Priscila, a OAB-Petrópolis aderiu à campanha da ministra Carmen Lúcia “Justiça pela paz”, encampada pelo Poder Judiciário. Uma série de palestras sobre o assunto será feita em escolas, além de também oferecer capacitação para advogados que não atuam na área. Nas manifestações que percorreram o país nas últimas semanas, uma frase ressaltou de um cartaz: “Não ensinem mulheres como não ser estupradas. Ensinem homens a não estuprar”. Que a educação escolar – e, principalmente, familiar – seja o passo primeiro e primordial na transformação de uma cultura que favorece e legitima atos tão hediondos como o estupro.

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