• Parece que aprenderam a lição

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  • 06/06/2020 00:01

    O clima político do País está pesado. Acusações de golpes em andamento partem de vários lados. Na internet, ataques ao STF que nos fazem  lembrar da frase famosa de Ruy Barbosa: “A pior ditadura é a do poder judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”. Textos bem articulados escritos por advogados nos falam de uma postura autoritária do STF na medida em que estaria interfe-rindo nos espaços do legislativo e do executivo. Manifestações em Brasília nos finais de semana, com a presença de Bolsonaro, e em outras cidades, em que abundam cartazes pedindo intervenção militar e fechamento do congresso e do STF. A grande mídia (jornais e TVs) em que articulistas e comentaristas nos alertam para o golpe em gestação de Bolsonaro contra o Estado Democrático de Direito. É legítima a preocupação destes face aos traumas do golpe de 1964.

    Esse estado de espírito fatalista não é bom conselheiro dada a situação vivida pelo país que, além das crises sanitária e econômica, a elas se soma a crise política. É fundamental manter a calma e a serenidade para averiguar se o diabo é tão feio quanto está sendo pintado pelos agentes do caos.

    Em artigo que escrevi recentemente, Militares na política, eu fazia uma análise histórica sobre a presença dos militares na política desde 1889. Citei Nabuco, com a acuidade de sempre, a pôr o dedo na ferida no nascedouro da república em que o exército ao invés de se manter fiel à monarquia, sua aliada natural no espírito de abnegação e patriotismo que movia a ambos, resolveu interferir na vida política nacional dali em diante. Arrolei ainda os esforços do próprio exército com os Jovens Turcos e a Missão Militar Francesa (MMF), em que esta permaneceu por aqui de 1920 a 1940. A recomendação que resultou dessas iniciativas ia na direção da profissionalização da força armada e do seu afastamento da política. Infelizmente, o conselho não foi seguido.

    Entretanto, confesso minha boa surpresa diante de duas declarações recentes de dois generais do círculo íntimo de Bolsonaro. Dadas as posições que ocupam, seriam dois pontos de apoio indispensáveis para qualquer aventura autoritária do presidente. O gal. Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, a despeito daquela infeliz Nota à Nação, ao ser perguntado depois se haveria intervenção militar, deu uma resposta enfática: “Não resolve nada!” Hamilton Mourão, vice-presidente, em entrevista ao Valor, de 01.06.2020, foi taxativo ao afirmar que não existe a hipótese de golpe.         

    A pergunta óbvia que me faria, caro leitor, seria a seguinte: estariam eles sendo sinceros? Vejamos as razões por que possam estar dizendo a verdade.

    Ao afirmar que “Não resolve nada!”, o gal. Heleno tem razões sólidas  para acreditar no que está dizendo. Conhecedor de nossa história, ele sabe que o golpe de 1889, menos que a queda de um monarca, teve consequências político-institucionais desastrosas ao destruir instrumentos para lidar com as crises dentro da lei, como o poder moderador. E sabe também que a presença militar na política trouxe abalos de toda ordem à própria instituição militar.

    Quanto ao vice-presidente, gal. Mourão, além de desculpar a nota do gal. Heleno como tendo sido um desabafo, ele foi taxativo quanto à presença militar na política. Diz na mesma entrevista que quando “a política entra pela porta de frente, a disciplina e a hierarquia saem pela porta dos fundos”. E reafirma: “Não pode haver discussão política dentro do quartel”. Pelo jeito, ele e a jovem oficialidade estão vacinados contra novas aventuras intervencionistas.

    Cabe agora uma pitada de Maquiavel. Se chegarmos ao extremo do impeachment, pouco provável face às negociações de Bolsonaro com o centrão, o gal. Mourão ocuparia a cadeira presidencial. Uma outra razão de peso é que as Forças Armadas não se sentiriam à vontade para manter um governo que vem perdendo apoio popular, que hoje não vai além de um terço. Sem o apoio desses dois generais, os arroubos autoritários de Bolsonaro têm pernas curtas. A impressão é que ambos aprenderam a lição sobre militares na política.

     

     

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