• Panificação Elite e o pãozinho de cada dia

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  • 05/02/2019 15:22

    Crocante, cativante e estimulante, a massa não pesava o bolso e, muito menos, o dia. Na verdade, era sua leveza que o movimentava e o balanceava. No raiar do dia ou no cair da noite, era a Panificação Elite a responsável pelo abrir e fechar dos olhos de quem, movido pelo pãozinho, à casa retornava a cada nova jornada.

    Fiel escudeiro, o pão francês da Elite era quem dava o dia como iniciado ou concluído. Neto de Abel Borges, português que adquiriu a panificação em 1940, o aposentado Rodolfo Chauffaille, de 62 anos, relembra a rotina do empreendimento que, depois de um tempo, também se tornou sua.

    “Ela funcionou com a minha família de 1940 a 2004, passando do meu avô para o meu tio, Fernando Borges. Dali, assumimos eu e meu irmão, Marco Antônio e, no fim, ficamos eu e minha irmã, Márcia Laura. Foi uma história de vida. Nós morávamos em cima da padaria e toda a produção era feita embaixo”. 

    Como Rodolfo define, pão francês é como arroz e feijão. “Você come o pão francês de manhã, de tarde e de noite. Pode comer todo dia que não se cansa porque ninguém fica sem ele”. E, de fato, a mistura de farinha, água, sal e fermento era o que movimentava a produção da família e as manhãs da clientela.

    “Nós chegamos a desmanchar lá em torno de 25 sacos de 50 quilos de trigo por dia, o que dá 30 mil pãezinhos por dia. Não houve ninguém que vendesse mais pão francês na cidade do que a gente. Éramos imbatíveis. Trabalhávamos 24 horas com filas constantes no nosso caixa”. 

    E quando Rodolfo diz que trabalhava-se o dia todo, pode-se ter certeza de que a afirmação está longe de ser exagero. Era ele quem abria a padaria e por lá chegava às 3h30 da manhã. Tudo isso para bem servir os trabalhadores que desembarcavam no Centro bem cedinho.

    “Eu levantava as portas às 4h50 porque o primeiro ônibus com os operários das fábricas da época chegava às 5 horas ali ao lado dos Correios, onde tinha um ponto de ônibus. A empresa sempre foi limitada e extremamente familiar. Chegamos a ter 42 funcionários e naqueles anos todos só tivemos um gerente: o senhor Carlos Pinto Vieira”.

    Tudo bem que o francesinho era o carro-chefe da casa, mas passado um tempo, um outro estrangeiro disputava atenção com ele: o brioche folhado de queijo e presunto, de fabricação própria. “Meu irmão, Marco Antônio, revolucionou as padarias em Petrópolis por ter introduzido as lanchonetes nas padarias. Lançamos o brioche na cidade e chegamos a vender mil unidades por dia na nossa lanchonete”.

    Foto: Arquivo pessoal Rodolfo Chauffaille

    Foto: Bruno Avellar

    Entre um cafezinho e uma mentirinha

    Foi explorando novos territórios que, clientes e funcionários, cada um a sua maneira, criaram laços profundos com a Elite. Para Karin Marcela Macek, de 66 anos, nada se comparava à máquina que moía café da loja. De família estrangeira, ela explica que a bebida, assim como seu aroma, foram novidades para ela.

    “Meus pais eram tchecos e, como ninguém bebia café lá em casa, o cheiro era novo pra mim. Frequentei a padaria desde 1965 e me lembro bem da máquina que o moía. A medida em que era moído, você via os grãos diminuindo pelo bojo grande de vidro transparente. Cheguei a experimentar o café, mas naquela época achei muito forte”.

    O tempo passou e a admiração pelo grão continuou, mesmo que a distância. “Raramente bebo café e nunca me acostumei com o gosto. Antigamente, eu bebia chá-preto com leite em casa. Foi falta de costume mesmo porque minha irmã mais velha tem enxaqueca com o cheiro da bebida. Engraçado como os hábitos de criança ficam impregnados”.

    Atrelado ao cafezinho estavam os biscoitos mentirinha, que formavam uma dupla imbatível. E falando em mentirinha, houve quem, vez ou outra, talvez tivesse outros motivos, além do aroma do café, para passar em frente à Elite. A supervisora de inspeção Leise Licht traz à tona um “gato” que marcou o empreendimento, ou melhor, um “pão”.

    “Sempre passava por lá na minha adolescência. Às vezes entrava para um lanchinho rápido e o que mais me recordo é do suco de laranja delicioso que vendiam lá. As lembranças são várias: sonhos, paqueras e o homem lindo que sempre estava na porta. Mais tarde soube que era dono ou filho do dono da panificadora”.

    A identidade do misterioso rapaz continua um enigma. Questionada se o reconheceria caso o visse novamente, Leise explica “nunca foi nada que poderia ser levado a sério”. De qualquer forma, a troca de olhares lhe rendeu boas histórias, como a vez em que quase acertou em cheio um poste localizado bem em frente à Elite. Para disfarçar, o jeito foi rir.

    A mágica da fermentação e da infância

    “Muitos falarão que tudo é pão, mas o da Elite era diferente”. É essa a fala do funcionário público Celso Souza Faria, de 53 anos. Para ele, a panificação não se resumia ao pão, mas, principalmente, à atmosfera do local. Adolescente, à época, Celso recorda o bom humor dos funcionários, que não deixavam os problemas pessoais transparecerem.

    “Os funcionários eram carinhosos para com todos, fosse com crianças, adultos ou idosos. Em outros locais em que você é atendido, é sempre aquela pessoa rancorosa que quer descontar os problemas no próprio serviço. E lá não. Tinha até uma senhora que passava por vários problemas em casa, mas que não demonstrava. E parece que ela achou em mim um amparo, porque eu tinha a idade próxima a do filho dela”.

    Fosse com a família Chauffaille por trás do negócio ou com famílias que se reuniam para um lanche, a história da Elite está atrelada às histórias de petropolitanos como o servidor federal Fabricio Von Seehausen, de 34 anos. Depois da escola, era lá que a mãe e a avó o levavam para reabastecer as energias.

    “Eu deveria ter uns cinco ou seis anos e tenho essa lembrança de ser um lugar enorme. Me lembro dos banquinhos de madeira em que eu e algumas crianças sentávamos e ficávamos girando até chegarem nossos salgados. O folhado de queijo era muito bom, o melhor! Nunca mais comi um como aquele. O queijo totalmente diferenciado do que temos hoje”.

    E, por incrível que pareça, Fabricio não foi enganado por seus olhos de criança. Segundo Rodolfo, a Panificação tinha 600 m². Passados mais de dez anos desde que fechou as portas, a Elite continua a intrigar a clientela que busca saber: além da semolina, o que diferenciava a massa do pãozinho? Com ou sem ingrediente secreto, era lá que água e farinha se transformavam na massa que matava a fome e dava o ar da graça ao dia a dia.

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