• Pais e mães não podem tudo

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  • 07/10/2017 11:35

    O lamentável incidente da constrangida menina “interagindo” com o corpo de um adulto nu, incentivada pela mãe, nos remete aos limites do poder familiar, o antigo “pátrio poder”. No Código Civil de 2002, o matrimônio deixou de ser hierarquia em que o macho encabeça a relação e o pátrio poder virou um partilhado poder  “familiar”.

    Em tempos remotos, patriarcas decidiam vida e morte dos filhos, sem que terceiros pudessem intervir. Daí castigos cruéis, escravização de filhos, exploração sexual de proles, vedação à sua educação. Pais amorosos, sempre os houve, exercendo paternidade em equilíbrio e harmonia com princípios éticos maiores, mas a lei protegia o pai ditador.

    Tal absolutismo teve que ser vencido pelo Estado para impor, por exemplo, a educação fundamental obrigatória. Muita gente entendeu ser ingerência indevida na intimidade da família. Era ingerência sim, mas nunca indevida. Necessária, para garantia da alfabetização e educação das crianças em prol dos interesses gerais da nação. 

    Trabalhei em Varas da Infância. Era comum a revolta de pais sem consciência, ofendidos quando flagrávamos seus filhos bebendo, ou os barrávamos em eventos para maiores. Muitas vezes de classe média alta, permitiam tudo aos filhos e achavam que não cabia ao Estado se meter. Achavam-se progressistas, iluministas, iluminados. Eram apenas retrógrados! Pois quem defende que pais tudo podem, defende volta às trevas do pátrio poder imperial, de escravização de crianças, impedimento à sua educação, abuso sexual de filhas mães de filhos-irmãos. 

    Pode haver excessos na ingerência estatal, como, a meu ver, exagero é a famigerada Lei da Palmada, que tenta vedar o uso de ferramenta pedagógica (que não é o espancamento cruel) que se não pode ser a única ou a prioritária, precisa estar disponível. Se quiser se aprofundar neste aspecto, leia meu “Palmada ou cassetete”, disponível na internet.

    O ECA (Lei 8.069/90) e diversas outras leis protegem – ainda que contra os pais – esse período especial de formação do ser, situado da infância à adolescência, de influências prejudiciais ao seu organismo ou à sua psiquê. Pais não podem autorizar a filhos que dirijam automóveis, portem armas, façam tatuagens, ingiram bebida alcoólica, consumam pornografia, frequentem locais impróprios. Por isso é que não podia aquela mãe permitir que sua filha saísse acariciando um homem nu. Normalmente, é assim que o pedófilo age, tirando o aspecto de tabu de coisas indevidas. Fazendo de conta que as carícias que pede ou faz na criança são brincadeiras inocentes, “que não tem nada demais”, afinal, a “nudez devia ser uma coisa natural”, “a malícia está na mente” dos “puritanos” e “falsos moralistas”. 

    Antes de posar de progressista ingênuo, coloque sua filha ou neta naquela situação e veja se você fica à vontade. Séculos de desenvolvimento civilizatório nos levaram a usar roupas e ter a nudez fora da intimidade relacional como incivilidade ou atentado ao pudor. Então, não, não é falso moralismo protestar contra o lamentável evento no MAM de São Paulo. Aquela criança não devia estar lá, e aquela mãe não podia, simplesmente não podia permitir e muito menos incentivar a experiência lamentável. Pais (ou mães!) não podem tudo. Sobre o happening em si, vale para ele tudo o que eu disse antes, no texto “Exposição da Dircórdia”, disponível na internet e que, em síntese, proclama: a arte também não está acima da lei.

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

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