• Os profetas do óbvio

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  • 03/04/2020 12:00

    Toda pandemia, ou peste na linguagem popular, carrega consigo especulações místicas, uma vez que há quem a interprete como castigo imposto à humanidade.

    A pandemia que atravessamos não está isenta dos oráculos do caos que injetam o pânico ao criar boatos apocalípticos. O “fim do mundo” já foi falsamente prenunciado várias vezes.

    Com o advento da computação, com as diversas funções do celular, fomos afetados por outra pandemia: as fake news.

    O vírus da mentira já infectou tanta gente que precisamos andar com lupa para encontrar a verdade. A expressão “verdade verdadeira” já não soa como pleonasmo, porque a manipulação de notícias leva parte da população a acreditar em mentiras travestidas de veracidade pautadas em conveniências. O que mais me impressiona é a convicção com que se nega o cientificamente comprovado.

    A proliferação de “live” contaminou o mundo, a ignorância ganhou uma ferramenta poderosa, porque opiniões e conceitos são jogados nas redes sociais sem nenhum compromisso com a realidade e com a cínica nomenclatura: “pós-verdade”. Saber que esse expediente tem sido usado como prática política é decepcionante. É uma conduta que fere a moral e a ética. Toma-se o achismo como certeza para ludibriar a opinião pública. Vale lembrar o bordão do personagem Bertoldo Brecha, vivido pelo saudoso humorista Juvemário de Oliveira Tupinambá: “A inguinorança é que astravanca o pogresso”.

    Deparamos hoje com uma ignorância prepotente que se julga superior à Ciência. Por isso, vivemos este conflito: de um lado, os que, mesmo com sacrifício, preferem ficar em casa por seguir orientações médicas e priorizar a vida. De outro, temos os que só pensam na economia e querem colocar o povo na rua, sujeito à contaminação. Isso ocorre exatamente no período em que precisamos unir forças para combater um inimigo que não tem bandeira ideológica. Não se trata de um problema exclusivamente do nosso país. O mundo está contaminado por um vírus que, contra o qual, não há vacina, nem remédio comprovadamente eficaz para combatê-lo. As dissidências políticas só atrapalham, pois travam ajudas humanitárias.

    A hipocrisia é a outra face que a pandemia provocada pela proliferação do novo coronavírus (Sars-Cov-2) deixou exposta. Quando vejo gestores públicos se mostrando preocupados com os vendedores ambulantes, lembro-me dos camelôs sofrendo agressões de guardas e tendo mercadorias apreendidas. Quando vejo tais gestores preocupados com os caminhoneiros, penso nas condições das estradas do país e no preço do pedágio, quando vejo os políticos falando em ajudar os produtores rurais, veem à lembrança a luta que estes enfrentam no escoamento da produção. A sórdida demagogia é o punhal da traição.

    Caro leitor, a indústria da informalidade é multinacional. Os produtos que estão nas mãos dos ambulantes como aparelhos eletrônicos, cigarros, relógios, brinquedos não são eles quem fabrica. Claro que esses brasileiros que lutam para sobreviver precisam de ajuda. Mas é válido ressaltar que o dinheiro injetado na economia por intermédio deles vai parar em cofres enriquecidos por sonegações fiscais. Eles estão na ponta da informalidade. O lucro não fica na base da pirâmide social, vai para o pico, que não se mantém sem o alicerce. Há gatos no telhado.

    Combater a fome é dever do Estado, não há dúvida. Pandemias são consequências da miséria globalizada. Saneamento básico é obra de gestão pública. O novo coronavírus veio e destampou o buraco cavado pela corrupção.

    Sairemos desta em direção às urnas eleitorais. É um erro subestimar a memória do povo. “Desesperar jamais”. A ternura ainda é a nossa força.

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