• Os labirintos eleitoral e da segurança pública

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  • 07/10/2020 09:25

     

    Época de eleições é um bom momento para debatermos a decepção contumaz dos eleitores com os políticos após cada eleição e outras disfunções do atual sistema eleitoral-partidário. Não só isso, a segurança pública, com a presença política crescente de militares e policiais civis como candidatos nas próximas eleições, inclusive o lobby dos já eleitos, também merece reflexão aprofundada.

    O eleitor é sempre instado a dar o seu voto de modo consciente. A grande mídia e mesmo as redes sociais não se cansam de bater nessa tecla. Será que o eleitor brasileiro é um incompetente, capaz de cometer erros seriais sempre que vai às urnas? Ou será que existe algo mais preocupante por trás do atual (e deplorável) estado de coisas, em que os políticos só têm olhos para o próprio umbigo e não para o interesse público?

    Fico com a segunda pergunta. O grande erro reside em colocar o foco nas eleições e não no período entre elas. Em outras palavras, como o poder corrompe, político bom não é aquele que jura por céus e terra que vai ser fiel ao bem comum e a seus representados. O bom desempenho dos políticos é função do grau de monitoramento regular a que estão submetidos. O sistema eleitoral brasileiro por não ter o voto distrital puro e a possibilidade de revogação de mandatos pelos eleitores entre as eleições retira deles o poder que deveriam ter sobre o político que os representa. Prevalece a enganação de sempre.

    Ao longo de minha campanha como candidato a deputado federal nas eleições de 2018, ao explicar a importância crítica dessa mudança crítica na nossa legislação eleitoral, eu notava a reação de espanto da plateia. Alguns talvez pensassem que eu acabara de descobrir a pólvora. Então eu explicava que isso vinha dos gregos há mais de dois mil anos, tradição mantida hoje por diversos países europeus e nos de língua inglesa. Ou seja, países com a cabeça no lugar, a que nos irmanávamos ao longo do Império e no início da república, são ciosos da preservação desses dispositivos legais que empoderam o eleitor.

    A notícia triste é que sem essas mudanças a decepção vai continuar. O Brasil é um dos poucos países que dispõe de uma Justiça Eleitoral específica. Mas que, infelizmente, não consegue fazer seu dever de casa a tempo e hora em defesa do eleitor. Caberia a ela informar a situação de cada candidato antes das eleições. Mais que isso: deveria impugnar candidaturas de pretendentes que não estivessem em condições de concorrer. Esta falha grave continua. A própria Lei da Ficha Limpa não tem sido aplicada com o devido rigor.

    Vejamos agora o que vem ocorrendo com a presença de militares e policiais civis na política, uma situação e tendência inquietantes. O jornal O Estado de SP, do dia 29/09/2020, publicou matéria em que mostra o aumento expressivo dessas candidaturas. Abre números por partidos políticos. O PSL, partido pelo qual o atual presidente se elegeu, deu um salto vertiginoso: de 141 em 2016 para 648 candidatos em 2018, aumento de mais de 360%(!) Nos demais partidos, o aumento dessas candidaturas foi também bastante elevado.

    A crítica a essa tendência se desdobra em duas frentes, uma permanente e outra, um tanto circunstancial. A primeira se refere à formação recebida por quem atua como militar ou policial. A disciplina rígida e a preservação da hie- rarquia são dois pilares consensuais a serem mantidos. Na América Latina, o histórico da presença militar na política foi desastroso às práticas democráticas em diversos países. A vida política, em que a negociação democrática é a pedra fundamental do seu dia a dia, exige uma formação muito diferente da recebida pelo militar ou pelo policial, onde saber receber e cumprir ordens é a lei maior.

    Um bom exemplo, em filme a que assisti recentemente, foi o que disse o comandante de um submarino nuclear a seu imediato: “Estamos aqui para defender a democracia americana, mas não para praticá-la.” (Não se chama um advogado para cuidar de uma dor de dentes.) Caxias, sempre disciplinado, dizia que, em geral, “nós, soldados, somos péssimos políticos”.

    Existe ainda, no caso da PM e da Polícia Civil, um problema estrutural extremamente sério relativo ao baixo desempenho de ambas. O turno de 24 por 72 horas tem sido deletério por induzir o policial a buscar outra atividade nos três dias em que não trabalha. E ainda tem o agravante da aposentadoria precoce ao mandar para casa a experiência profissional do bom policial. Mais de uma década atrás, tomei um choque quando constatei que a taxa de elucidação de assassinatos era de apenas 10% no estado Rio e de cerca de 50% em São Paulo.

    Pois bem, O Globo, de 28/09/2020, passados mais de 10 anos, apresenta dados para vários estados para o mesmo indicador cuja fonte é o “Instituto Sou da Paz”. Os estados do Rio e de São Paulo apresentaram, respectivamente, os seguintes percentuais: 11 e 54%. Ou seja, a situação praticamente não mudou. Além disso, ao se candidatarem, eles podem se licenciar por três meses remunerados, o que torna nulo o artigo 5º da Carta de 1988, que nos garante igualdade perante à lei, inclusive civis do setor privado, que ficam de fora da mordomia. É ou não é evidente o caráter estrutural do problema?

    A vertente circunstancial também preocupa. O entusiasmo pelas escolas militares deveria nos deixar com os dois pés atrás. Temos exemplos de cidades no Nordeste e mesmo aqui no estado do Rio, no município de Natividade, em que o rendimento dos alunos deu saltos espetaculares no IDEB – Índice de De-senvolvimento da Educação Básica, deixando-os próximos e até além da meta a ser alcançada. Teria havido alguma mágica? Nada disso! Apenas monitora-mento dos alunos por parte do(a)s professore(a)s, que inclui aulas de reforço quando necessárias. Houve até caso de uma diretora de escola no Nordeste que fez uma caixinha para comprar aparelhos de ar condicionado para as salas de aula, convencida que estava que ajudaria os alunos a terem melhor concentra-ção e resultados. E funcionou! É sintomático que tanto na educação como na política o segredo é o monitoramento regular do desempenho.

    Conclusão: a legislação eleitoral-partidária e o marco regulatório da segurança pública estão ambos perdidos em seus labirintos. Mas tem jeito!

     

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