• Os idiotas de aldeia

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  • 24/03/2018 10:30

    Não bastasse ser o Rio de Janeiro hoje terra de faroeste e faixas de Gaza, com diários massacres de cidadãos por balas achadas e perdidas, policiais assassinados, arrastões do terror, e a triste mas realística constatação de que alguma intervenção era mesmo necessidade (ainda que sob Temer), não bastasse tudo isso, descobrimos nossa selvageria social. Do tipo canibal, encolhedora de cabeças. Assim demonstrou a repercussão nas redes, da morte da vereadora covardemente executada. 

    Tudo a ver com os tempos tristes, de lideranças zumbis, falência petista, escancaramento dos antros de corrupção do PMDB, do DEM, do PSDB e de tantos outros. Política nacional Terra de Ninguém. Todo mundo se acotovelando nesse Titanic pra ver se consegue vaga em algum bote que salve do naufrágio geral. Mesmo que tenham que se agarrar a um cadáver. O PSOL tem a legitimidade de se indignar com a execução da sua afiliada. Mas a esquerda histérica, que lê tudo pela cartilha do “como-salvar-Lula-da-cadeia”, não teve pudores de se apropriar do cadáver da vereadora para fins escusos. Outras esquerdas berram para ocupar o vácuo deixado pelo PT. E a direita medíocre tentou desqualificar a vereadora, achando exagero nos lamentos e protestos. 

    Umberto Eco disse que “o problema da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. Pois a idiotia e a insanidade fizeram chamas em campos de mato seco. Deram explosões, rachando amizades. Postagens na internet: fuzis de palavras, balas perdidas de notícias falsas, adjetivos facões de Ruanda. A morte de Marielle destampou uma Caixa de Pandora verbal. Males alastrados como cheias de rios em fúria. Uns queriam Marielle cortesã do tráfico, outros a queriam santa. Ingênuos embarcaram nas falsidades ou exageros. Num dia ela amanhecia quase prostituta, no outro, heroína suprema das gentes. Ora combatente das favelas, ora favorita da Zona Sul. Num dia, mulher de traficante, no outro, com viúva homoafetiva. O fato é que Marielle, se não era desconhecida, não era também uma superstar. Mas morrer neste momento, da forma que morreu, pôs sua morte, em termos de exposição, quase no grau de um Ayrton Senna da política. Sua morte ter se tornado mais midiática do que a de outros cidadãos é soma da sua condição pública com a sombria circunstância política que vivemos. Isso não a faz morta melhor ou mais heroica que todos as outras vítimas desse Rio em guerra que merecem também nosso pranto, lamento e indignação. Mas é compreensível que Marielle tenha causado mais impacto.

     Era militante. E pelo que de sério se noticiou, estruturada, com discurso, postura e realizações. Muito do que defendia não agrada a todos, mas isso não dá o direito de desqualificá-la como inimiga, cadáver a ser quase comemorado. Foi-se uma pessoa humana de valor intrínseco, que merecia vida e felicidade. 

    Os ódios e exageros transbordantes das redes sociais foram só aperitivo do que reserva este ano de possível prisão do Lula (escrevo antes da operação salva-Lula no STF), novas condenações da Lava-Jato, e eleições radicalizadas por extremos aguçados de desrazão. Pode ser um ano imundo, de facadas e impropérios, pior que 2014. Tomara que não. Que surjam vozes sensatas, candidatos sérios se credenciem, tomara que o debate se eleve em qualidade, para que da luz se vislumbre saída viável desse irrespirável reino dos idiotas de aldeia: o fundo do poço de lodo em que chafurdamos. 

    denilsoncdearaujo.blogspot.com


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