• Os chinelos de vó Mariquinha

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  • 06/07/2016 13:52

    A família era pobre, residindo em uma casa simples, porém podendo abrigar todos os seus moradores.

    Para ter acesso à mesma, se fazia necessário romper muitos degraus. Lá do alto, entretanto, vislumbrava-se montanhas, o céu azul, na certeza, até, que Deus estaria mais perto, eis que todos eram religiosos e crentes ao Pai. 

    Vó Mariquinha, mãe de dois filhos, ambos casados. Todavia, só um casal teve filho e assim mesmo da “pá virada”, contudo muito amado pela avó.

    As noras muito admiravam a velhinha que já completara oitenta anos, entretanto, lúcida, ativa e ajudando, na medida do possível, nos afazeres da casa.

    Viviam felizes, embora enfrentando graves dificuldades financeiras; tudo o que conseguiram foi fruto do trabalho árduo, sendo que a simplória casa fora edificada por “seu” Augusto, já falecido, esposo de vó Mariquinha; já muito antiga, sempre necessitando de constantes reparos. Entretanto, o filho mais velho dedicara-se à profissão do pai, bom pedreiro e quando os problemas surgiam, ele os procurava sanar de imediato.

    O outro filho, mais moço, empregado por algum tempo, todavia não muito persistente ao trabalho. Acabara por viver de “biscates”. 

    As noras se dedicavam aos encargos domésticos sob o olhar da sogra, D. Mariquinha.

    A avó, muito humilde, se vestia de modo simplório, aliás, como os demais, calçando um par de chinelos que não admitia fosse trocado por um novo. E mais, era useira e vezeira e, ao deitar-se, deixava os chinelos no meio do quarto a atrapalhar a passagem dos filhos, noras e neto; todos tropeçavam e reclamavam, exceto o neto; os demais sempre a advertindo para que não fizesse aquilo. O neto, entretanto, permanecia calado e risonho. A avó, por sua vez, retribuía o sorriso sem que os demais percebessem.

    Vó Mariquinha, entretanto, apegada aos chinelos, continuava calçando-os, velhinhos como ela própria e persistindo com o hábito de deixá-los em qualquer lugar do quarto onde dormia.

    E os filhos a tropeçar, as noras a olhar a situação de soslaio e o neto a tudo observar com os olhos atentos e marejados d’água. O amor dedicado à avó era indescritível!

    O tempo passou e vó Mariquinha adoeceu acabando por partir.

    Após seu desaparecimento, uma vez que não deixara qualquer bem material, ao contrário, restaram apenas algumas peças do vestuário, assim mesmo muito “surradas” e o par de chinelos que incomodava a tantos; agora a casa se tornara vazia sem a presença da avó querida.

    Os filhos e noras tiveram que se desfazer do pouco das vestimentas que fora deixado por vó Mariquinha; e lá se foram distribuídas a pessoas mais necessitadas as “surradas” roupas e tudo o mais que ela deixara, vale dizer sem qualquer valor.

    Restara, todavia, o par de chinelos que tanto incomodava aos moradores da pobre casa, exceto ao neto.

    Os chinelos já não tinham cor de tão gastos que estavam.

    Entretanto, o neto, já agora com quinze anos, não tirava os olhos dos mesmos e, de repente, dirigindo-se aos pais, criado que fora com a prestimosa ajuda da avó, exclamou: “ela não nos deixou nada de valor; aliás, não tem a menor importância, apenas a lembrança de ter sido boa avó e, por isso mesmo, os seus chinelos não serão jogados fora, embora que tão desgastados; ficarão para mim e eu os guardarei para sempre”. 

    Os adultos quedaram corados e o jovem terminou abraçado aos pais, tudo em razão de um “surrado” par de chinelos usado por quem partira, mas que deixara marcante lembrança.

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