• O retorno à realidade

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  • 19/02/2018 08:25

    Acabou o carnaval. E agora? Voltaremos à rotina das filas nos hospitais, das balas perdidas, do aumento da gasolina, gás, IPTU. Precisamos ficar atento à obsessão governamental de querer impor as reformas da previdência. Não podemos permitir que a operação Lava Jato termine em pizza.

     O outro anestésico social virá com a copa do mundo. São momentos em que a população se desliga dos problemas. Mas, até lá, a realidade exigirá da sociedade um posicionamento mais direcionado ao bem comum. 

    A intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro é mais um motivo para a população ficar alerta. Não esqueça, neste ano haverá eleições. Essa é uma oportunidade para rejeitar a corruptocracia.

    E quanto ao carnaval, digo apenas que não tenho muita afinidade com a folia de momo e não me considero “ruim da cabeça nem doente do pé”, fico pela tangente. Procuro um lugar silencioso para ler bons livros e espero o carnaval passar.

      O que não me deixa tão distante dessa folia está relacionado ao aspecto literário que há no samba-enredo. Desde criança, fui atraído por essa arte de colocar na boca do povo um canto capaz de expressar o sentimento de uma comunidade. 

    Manoel Fininho, compositor da Império do Samba, escola sediada na Vila Operária em que eu morava em Teresina, foi quem primeiro despertou esse meu interesse pelas letras dos sambas, quando eu era criança. Foi a primeira pessoa que vi falar de Noel Rosa em um samba-enredo.

    No Rio, em 1976, “Os Sertões” da Em Cima da Hora, foi a composição que mais me impressionou pelo poder de síntese dos compositores. Cursava o antigo científico no Colégio Pedro II, e tentava entender o livro escrito por Euclides da Cunha que serviu de base para o samba-enredo. Eis alguns versos:  

    “Sertanejo é forte/ Supera miséria sem fim/ Sertanejo homem forte (bis)/ Dizia o Poeta assim/ Foi no século passado/ No interior da Bahia/ O Homem revoltado com a sorte/ do mundo em que vivia/ Ocultou-se no sertão/ espalhando a rebeldia/ Se revoltando contra a lei/ Que a sociedade oferecia/ Os Jagunços lutaram/ Até o final/ Defendendo Canudos (bis)/ Naquela guerra fatal”.

    E pela poesia de Cartola, passei a ter um carinho pela Mangueira. Mas, a agremiação que ganhou a minha simpatia nem desfilou este ano, a Caprichosos de Pilares, gosto da irreverência dela. Em 1987, entrou na avenida cantando, “Ajoelhou tem que rezar”:

     “Vamos, meu povo,/ Democracia é participar/ Vote, cante, grite/ É tempo de mudar/ Quem vive de promessa é Santo/ E eu não sou Santo, meu Senhor/ Seu deputado, eu votei/ E agora posso exigir/ Quero ver você cumprir/ Seu lero-lero, blá, blá, blá/ Conversa mole isso aí/ É papo pra boi dormir.”

    Neste ano, gostei da ousadia da escola Paraíso do Tuiuti, que foi para a Sapucaí com enredo “Meu Deus, Meu Deus, está extinta a escravidão?” Enredo este que me fez lembrar versos do poema “Vozes d’África de Castro Alves:  “Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?”. E também veio a memória o que Cristo disse na cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). A vice-campeã abriu o peito para dizer: “Meu Deus! Meu Deus!/ Se eu chorar não leve a mal/ Pela luz do candeeiro/ liberte o cativeiro social”.

    A Beija-Flor, campeã, também fez severas críticas aos governantes com o enredo “Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da Pátria que os pariu”. Veja este refrão: “Oh pátria amada, por onde andarás?/ Seus filhos já não aguentam mais!/ Você que não soube cuidar/ Você que negou o amor/ Vem aprender na Beija-flor”. O povo não é tão ingênuo.


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