• O preconceito linguístico

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  • 17/04/2020 00:00

    Outro dia comentei sobre o português falado, sobre a linguagem oral. Meus comentários deram origem a outros e a algumas interrogações aqui resumidas: Quando somos preconceituosos com a linguagem do outro? Qual o limite? Essas não são perguntas fáceis de serem respondidas e determinar o limite também é tarefa árdua. Como gosto de um bom desafio, vou tentar.

    O preconceito linguístico é caracterizado, segundo o Prof. Marcos Bagno, pela linguagem ideológica, comum a uma classe dominante e opressora, que não aceita as variedades não-padrão, como forma de expressão lícita. Assim, é preconceito não aceitar o falar do homem do campo com pouco estudo. Só é reconhecido como Português verdadeiro aquele que segue a norma culta.

    Eu faço minhas ressalvas. Não atribuo o preconceito somente a questões meramente ideológicas, políticas, classistas, elitistas ou a qualquer outro adjetivo que possa dividir patrícios. Para mim, a diversidade linguística é característica da marcação de território, da construção da identidade social e pessoal. É fruto do sentimento de pertencimento a um lugar e/ou a um grupo. O preconceito, nessa dimensão, é fruto da intolerância, da não aceitação das diferenças, do não reconhecimento do outro. E você então pergunta: e isso não é ideológico? Não é político? Eu respondo: é muito maior do que isso! A construção da identidade social e pessoal transcende qualquer ideologia política.

    O Brasil é um país de dimensões continentais. Cada canto desta terra tem uma especificidade que o distingue do outro canto. Dou como exemplo a cidade do Rio de Janeiro. Dizem que somos bairristas. Pode ser. O que pretendo destacar aqui é a peculiaridade de cada bairro. A Urca é composta, majoritariamente, por militares e descendentes. Ipanema e Leblon por famílias que ajudaram a construir o bairro e foram, de algum modo, responsáveis pela expansão da cidade para o litoral.

    Mesmo em tempos de globalização, cada bairro tem uma característica que lhe é peculiar, uma cultura própria que cria para si a sua identidade. A identidade é revelada pelo modo de falar, de pensar e agir e pela maneira como nos vestimos. A nossa linguagem diz quem somos e de onde viemos. É por isso que temos uma grande diversidade de modos de falar.

    Só por curiosidade, Portugal, pátria-mãe do nosso idioma, tem mais de dez dialetos, reconhecidos oficialmente. Em algumas regiões, fala-se o mirandês, originário no asturo-leonês e possui quase 20 mil falantes. Cada um dos dialetos revela o lugar de origem e pertencimento do cidadão português.

    Portugal é um país pequeno, não tem as dimensões do Brasil. Cada região, cada pedaço do nosso território fala português e é identificado por características linguísticas peculiares. Do mesmo modo podemos ressaltar as diferenças linguísticas por idade, profissão, grupo social… Cada pessoa tem um jeito próprio de falar o idioma materno.

    Preconceito é não reconhecer isso. É negar a diversidade de modos de falar. Contudo, reafirmo minha posição anterior, expressa em outro artigo: precisamos conhecer as normas tradicionais constitutivas do nosso idioma. Há situações em que devemos primar pelo Português “tradicional”, aquele que é padrão, caso queiramos nos comunicar com o outro. E repito: Nossa linguagem diz muito sobre quem somos e de onde viemos.

     

    Contato: rosinabezerrademello@gmail.com

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