• O pecado original e a política

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  • 11/11/2020 09:53

     

     

     Bertrand Russell, o famoso filósofo (ateu de carteirinha!) e matemático inglês, certa feita afirmou que “que quem não compreende o significado do pecado original desconhece a natureza humana”. Podemos também recorrer ao que disse Freud quando tomou conhecimento da obra de Karl Marx: “Este homem não conhece o que é a natureza humana”. Aprendi esta certeira observação de Freud com meu saudoso amigo Mariano D´Almeida.

    Em termos mais diretos, estamos falando da precariedade do ser humano. Cometemos erros, inclusive os monumentais como Marx e Gramsci. Ao propor a luta de classes como motor da história, Marx não se deu conta de que estava propondo uma solução de confronto permanente em que não havia espaço para a mensagem cristã de amor ao próximo. (Aliás, motor enguiçado!) E nem mesmo imaginou que estivesse alimentando com ela o nascimento de figuras tétricas como Stálin & (má)Cia. A paranoia deste não deixava escapar nem mesmo seus parentes, acusados levianamente de inimigos do povo, como nos revelou sua filha Svetlana em livro de memórias publicado nos Estados Unidos.

    A sabedoria inglesa em matéria de política e políticos costuma ser reverenciada com frequência quando este tema vem à baila. Mas poucos se dão conta do grau de desconfiança dos ingleses em relação ao poder e aos políticos. Levam muito a sério a máxima de Lord Acton: “Poder corrompe e poder absoluto corrompe absolutamente”. A providência tomada por eles continua a mesma há séculos. O Primeiro-Ministro inglês, toda quarta-feira, é submetido ao “question time”, ou seja, à hora da sabatina no Parlamento, momento em que a Oposição o criva de perguntas e esclarecimentos sobre os atos de governo. Não satisfeitos, ainda o enviam às sextas-feiras para uma audiência particular com a rainha (ou rei) para quem não pode mentir e ainda deve dar satisfação detalhada sobre qualquer assunto que o(a) monarca queira saber.

    Podemos afirmar que o político inglês funciona dentro de uma camisa de força em que seus movimentos só são permitidos quando o Parlamento e o monarca os autorizam dada a frequência com que é monitorado. Trata-se, na verdade, de um modelo bem parecido com o vigente no Brasil no século XIX, amparado legalmente no poder moderador. É evidente que políticos submetidos a regras como essas tendem a se comportar sem perder de vista o interesse público, sob pena de serem defenestrados do poder sem dó nem piedade. Basta que seja constatada quebra de confiança por um simples voto de desconfiança.

    Estamos, assim, longe das ditas práticas republicanas do Patropi em que a Justiça e seus infinitos recursos servem como biombo para dar sobrevida a políticos que não gozam mais da confiança dos eleitores. E isto num país que dispõe de uma Justiça Eleitoral, normalmente inexistente nos demais países, sempre atrasada na hora de informar ao eleitor se candidatura de A ou B tem algum impedimento legal que a impugnasse. Até candidatos pegos com a boca na botija continuam a se candidatar no pleito seguinte porque a acusação que lhes pesa não está transitada em julgado. Situação humilhante para o eleitor.

    O caso brasileiro tem algo de patológico na medida em que já tivemos instituições capazes de impedir que políticos corruptos, ou cuja credibilidade virasse pó, continuassem na vida pública. Quem nos afirma isso é o próprio Ruy Barbosa, figura que viveu sob o Império até aos 40 anos de idade e quase outro tanto sob a república. Viveu e ocupou cargos de ministro em ambos os regimes políticos. Foi testemunha ocular da queda brutal da qualidade do homem público brasileiro sem travas. Ao fim da vida, em 1923, sua desilusão era completa com as práticas republicanas na Terra Brasilis.

    Em função desses fatos históricos, cabe a pergunta sobre o pecado original da política. Em que medida, ele é mais grave do que aquele de que nos fala a Bíblia. Certamente, essa mancha de nascença é bem mais séria na política porque os políticos lidam com o poder. A possibilidade de cometerem arbitrariedades vai ser tanto maior quanto menos fiscalizados forem.

    O pior mal desse estado de coisas é que o eleitor brasileiro, em função do apagão da memória nacional, tende a ver a política na linha do “é assim mesmo, não tem jeito!”. Mas tem jeito sim! É mister dotar o eleitor dos instrumentos de controle sobre os políticos que lhe foram retirados. E não foram restituídos pela Carta de 1988. Empoderar o eleitor não é tarefa impossível. Armá-lo com o voto distrital puro e a possibilidade de revogar mandatos (recall) me faz lembrar do comentário de um eleitor na minha campanha para deputado federal pelo Novo em 2018: “Mas aí sou eu que vou mandar no político, doutor!”.

    O seriado “House of Cards”, da Netflix, nos conta a história de um político imoral, amoral e pilantra no pior sentido, que acabou presidente dos EUA. A despeito da proeza de conseguir chegar lá, na época em que era deputado federal, a referida figura tinha o maior cuidado quando se tratava do seu distrito eleitoral, evitando a todo custo que fosse pego em qualquer ato desabonador. Sabia que qualquer deslize seria o fim de sua carreira política. A mecânica do voto distrital puro obriga o representante a dar satisfação a seus eleitores com frequência, podendo mesmo ser destituído.

    A baixa qualidade do político brasileiro tem data de nascimento: 1889. É possível, entretanto, recolocar o País nos trilhos. Basta lembrar dos casos das duas Coreias e das duas Alemanhas: povos com a mesma cultura, história e até mesma raça para nos relembrar de como um bom (ou mau) regime político pode fazer a diferença. As duas comunistas pararam no tempo em função de um modelo político-econômico disfuncional. Ou seja, não se trata de raça ou cultura, mas do peso do arcabouço político-institucional de um país para travá-lo ou levá-lo ao sucesso. Estamos travados pelo nosso. É preciso reagir. Mãos à obra.

     

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