• O país apodreceu

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  • 29/11/2016 12:00

    A expressão é forte? Sem dúvida, mas não encontro outra que defina melhor a atual situação. Fez-se o impeachment de Dilma Rousseff, resultado do desastre econômico e da crise moral do lulopetismo. Mas, independente do espetáculo tragicômico exibido quando da votação do impedimento na Câmara, teve-se um momento de afirmação do parlamento e da democracia.

    No entanto, com a posse de Michel Temer, os sentimentos auspiciosos logo seriam sepultados. Em que pese ter formado equipe econômica respeitável, o novo presidente se cercaria do que há de pior na política brasileira. Levou figuras carimbadas para seu governo, como Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima e Romero Jucá.

    Com tal equipe, tinha que dar no que deu, com o poder posto a serviço de interesses privados. Os diálogos mantidos entre Temer, Geddel e Padilha, com o ministro afastado da Cultura, Marcelo Calero, devidamente gravados, não deixam dúvida. Alinhavava-se uma ação, avalizada pelo presidente, a fim de resolver os óbices impostos pelo Iphan na concessão de licença de obra a um prédio em Salvador, defendida por Geddel, proprietário de uma de suas unidades habitacionais. Com o vazamento das gravações, as tratativas foram por águas abaixo e o baiano Geddel exonerado.

    Com idas e vindas, vacilante por excelência, sitiado pelo fisiologismo congressual e de auxiliares próximos, tudo indica que o governo Temer acabou. Em outra hipótese, tão grave quanto, ficará aí sangrando por mais dois anos, num quadro de acirramento da crise que hoje o Brasil experimenta.

    Temer parece não entender em que conjuntura chegou à presidência, na crista de grandes manifestações populares, que pediram o fora Dilma e em defesa da ética na política, com movimentos de massa sem precedentes na história do país. A alienação do presidente chegou ao ponto de anunciar que não vetaria a anistia aos crimes de Caixa 2, corrupção e lavagem de dinheiro, tramada nos desvãos dos gabinetes parlamentares do PT, PMDB e PSDB. Ainda bem que em seguida foi obrigado a recuar, assustado com a indignação dos brasileiros.

    É demais. Enquanto Rodrigo Maia, inexperiente e inseguro, concertava com os partidos a anistia, Renan Calheiros manobrava para que parentes de políticos pudessem repatriar recursos ilícitos depositados em contas no exterior. É um escracho. O terror que assalta o Congresso em Brasília, com a delação da Odebrecht, faz com que tudo seja possível na corrida enlouquecida do salve-se quem puder, presididos pelo cinismo levado às últimas consequências.

    O quadro não é novo, mas essa gente continua cavando além do fundo do poço. Lembro de uma resposta de Ulysses Guimarães a alguém que reclamava contra o Congresso Nacional. Foi enfático o velho timoneiro do MDB, ao dizer que ninguém se surpreendesse com o próximo a ser eleito, pois seria bem pior. É o que se vê hoje, com o parlamento dominado pela excrescência moral. E tudo resulta de um pacto indecente entre eleitores e representantes, uma relação promíscua, fundada na mercantilização do voto popular, que termina na outorga de mandatos viciados na origem.

    Esquecem-se, como o presidente Temer, que a opinião pública mantém-se vigilante, e qualquer fagulha pode levar tudo pelos ares, nesse barril de pólvora chamado Brasil. Milhões de brasileiros que foram às ruas contra Dilma podem se voltar a qualquer momento contra todos eles, uma vez que paciência tem limites.

    paulofigueiredo@uol.com.br

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