• O juridiquês

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  • 01/02/2020 10:35

    Não é novidade dizer que, além do conhecimento jurídico, a principal ferramenta dos advogados é a linguagem, tanto escrita como falada. Em ambas modalidades, é essencial o conhecimento da língua, de seus estilos, das regras gramaticais básicas. Um discurso, ou uma petição, eivados de erros de grafia ou de gramática depõe contra seu autor e prejudica os interesses do cliente por ele defendido. 

    Além do conhecimento do vernáculo, é imprescindível atentar para as características especiais do linguajar forense. O uso adequado dos termos técnico-jurídicos e a ambiência onde são colocados constituem, em seu conjunto, um modo próprio de expressão, vulgarmente denominado de “juridiquês”. Muitas vezes, o significado de determinadas palavras usadas no discurso jurídico pode gerar entendimento diferente para os leigos. Veja-se a expressão – “façamse conclusos os autos”. O operador do direito entenderá perfeitamente que se trata de uma determinação para que os autos sejam encaminhados ao julgador. Alguns do povo, no entanto, podem entender que está havendo uma ordem para que o processo seja concluído, terminado, extinto, ou coisas semelhantes. O jurista sabe que “penhora” não é o feminino de “penhor”; sabe também que “hipoteca” não é o coletivo de cavalos, como poderia parecer, por indução lógica aos termos biblioteca, pinacoteca, hemeroteca e outros da mesma linha. 

    A linguagem jurídica, sobretudo no ocidente, está povoada de expressões e vocábulos latinos. Isso se explica pela influência do Direito Romano na formação dos nossos institutos jurídicos. Termos há que se entranharam definitivamente em diversos idiomas, não carecendo mais de tradução para seu entendimento. É o caso da expressão habeas corpus, usada em português, francês, espanhol, italiano, romeno, inglês e alemão e, talvez, em outras línguas e dialetos. De tão difundida, até o povo comum a entende, sem que se a traduza. Outras, inúmeras, são de uso mais comum entre os estudiosos e praticantes da ciência jurídica e que têm o seu lugar na linguagem forense. Quem perdeu o prazo para peticionar pode ouvir do adversário ou do juiz o epíteto – dormientibus non sucurrit ius! (a lei não ampara aos que dormem no ponto).

    Essa influência do Direito Romano fez com que os juristas usassem e abusassem do emprego de palavras latinas em seus escritos, como se pode constatar em diversos livros e até em inúmeras petições forenses. O uso excessivo, no entanto, é desaconselhável, pois torna as petições pedantes e até antipáticas. 

    É correto e usual designarse o juiz de cuja decisão se recorre como “juiz ou juízo a quo”, ao mesmo tempo em que se pode referir ao tribunal para o qual se direciona o recurso como “juízo ad quem”. Todo cuidado, no entanto, é necessário; é sabido que, há várias décadas, suprimiu-se do ensino médio brasileiro o aprendizado do latim. Destarte, muitos dos que lidam com o direito desconhecem as regras gramaticais daquela língua e podem cair em esparrelas. Sem o exagero denunciado, podese incluir na petição uma ou outra expressão em latim. No entanto, se há dúvida sobre seu significado, sobre sua grafia, melhor que não se a empregue. 

    Como é sabido, a ciência jurídica é absolutamente formal. Os atos judiciais são submetidos a inúmeras regras. Há uma espécie de liturgia no suceder dos atos. Alguns atos são solenes e exigem trajes e posturas adequadas. A linguagem forense também se adequa a essa formalidade dos atos judiciais. Há que se saber a quem se dirigir, quando, como e qual o tratamento adequado. 

    Sem querer ensinar “pai nosso a vigários”, a observação de tais regras fará muito bem a todos.

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