• O drama dos refugiados chega a Petrópolis

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  • 20/03/2016 07:00

    “Saudade de casa”. Foi assim que o sírio Kamil k, de 46 anos e a família disseram estar se sentindo após um ano refugiados em Petrópolis. O médico, que na Cidade Imperial trabalha auxiliando o irmão também sírio, operando o caixa em uma loja de ferragens aqui na cidade, afirma que a decisão de deixar tudo para trás foi a mais difícil que já enfrentou. Mas o desejo de voltar a viver em um país sem guerras, e possibilitar, que a filha que ainda estava para nascer, e o filho então com 8 anos pudessem ter uma vida segura, foi mais forte do que a vontade de não deixar para trás, casa, profissão, parentes e amigos, que por falta de recursos ou até mesmo por causa da esperança no fim dos conflitos, não conseguiram sair do país, que em menos de cinco anos foi palco da morte de 250 mil sírios. 

    Bombardeio, morte, pobreza, insegurança e impossibilidade de descobrir o verdadeiro inimigo, foram apenas alguns dos motivos que fizeram com que Kamil, aceitasse a proposta do irmão mais velho, de morar em Petrópolis. George K, vive na cidade desde 1968, quando veio junto com o tio vender roupas de porta em porta. Ao longo dos anos George se tonou um comerciante bem sucedido e pôde trazer parte da família para morar com ele. Porém, sair da Síria foi apenas o primeiro desafio. Hoje, Kamil formado em medicina, não consegue exercer a profissão no Brasil, e lamenta não poder sustentar a família através do trabalho que tanto ama.

    Kamil, a esposa e o filho, moravam em Wabroud, uma cidade perto da capital, e viram que não tinham mais como continuar morando na região, depois que o local ficou ocupado por revolucionários por cerca de um ano. “Nós tivemos sorte de ter família no Brasil, um país que é muito receptivo com imigrantes. Porém, a maior parte dos sírios já perdeu tudo na guerra e não tem condições nem mesmo de pagar uma passagem de avião. Essa situação faz com que eles fujam das regiões de conflito pelo mar e invadam fronteiras, resultando em tantas mortes que temos acompanhado pela televisão. Essas pessoas normalmente já não possuem mais passaporte, nem dinheiro. Apenas as roupas do corpo. A guerra acaba com tudo. Quando eu vim com a minha esposa para cá, ela estava grávida, então a minha filha mais nova nasceu aqui no Brasil. O mais velho está com 9 anos e já fala muito bem o português. Apesar da tristeza de vermos nosso país desse jeito, somos gratos pela tranquilidade da qual desfrutamos agora. Perdemos muitos amigos na guerra!”, lamentou.

    Para George a gerra é maléfica. “Os governantes que iniciam esses conflitos e quem paga o preço é o povo. O número de bebês recém-nascidos que morrem atualmente na Síria por falta de suprimentos básicos é descomunal. As vezes homens, mulheres e crianças não morrem durante os bombardeiros, mas perdem a casa, ficam sem dinheiro, são obrigadas a viver na miséria e não tem as mínimas condições de saúde e infraestrutura para sobreviver. Por isso, mesmo tendo a esperança de que a guerra um dia acabe, Kamil não pretende mais voltar. A Síria um dia foi considerada no mundo árabe como um país moderno, e hoje não passa de um emaranhado de morte e atos violentos, em meio a escombros e pó”, desabafou o empresário que vive no Brasil há 48 anos. Casado, com duas filhas e netos, George também afirma que jamais voltaria a morar na Síria, pois ele se consideraria um estranho no próprio país de origem.

    Atualmente o sonho da família, que já tem outros parentes morando em Petrópolis, é que Kamil volte a exercer ao menos uma profissão próxima a que praticava na Síria. “Estou fazendo um curso de enfermagem, e pretendo atuar na cidade se for possível. Acredito que o Brasil, por ser um país tão acolhedor, poderia pensar mais em como receber os imigrantes. Isso não é uma crítica, apenas a exposição de uma triste realidade. A verdade é que muitos já tentaram a sorte aqui, mas como não conseguem trabalho, ficam sem dinheiro e são obrigados a voltar para a Síria. Precisamos de ajuda! E, gostaríamos de trabalhar na profissão que estudamos e nos esforçamos para poder exercer com qualidade. Mas sem falar português e sem o auxílio do governo, os refugiados que vêm para o Brasil sem ter parentes ou amigos já instalados, não tem muitas chances de se estabelecer”, disse.

    Porém alguns tiveram a sorte de ter vindo para o Brasil quando jovens. “Temos um primo que morou no Brasil, ainda rapaz, e fez faculdade de medicina aqui. Depois de alguns anos ele voltou para Síria, mas diante dos conflitos acabou retornando para cá e hoje vive bem com a família, levando em conta que domina a língua e é formado no país. Mas ficamos tristes por aqueles que não tem a mesma sorte que nós, com amigos e familiares que possam acolhê-los, nem dinheiro para sair da Síria, ou sequer recomeçar em outro lugar. Ao menos com a tecnologia podemos dentro do possível, nos comunicar com parentes e amigos que ainda estão lá. Isso quando há energia onde eles estão. Esperamos que com o cessar fogo de 15 dias, anunciado recentemente, as coisas melhorem o mínimo possível. Mas a verdade é que a economia do país acabou, assim como parte da sua população”, disse entristecido.

    Entenda mais sobre o conflito

    Ao menos 250 mil sírios morreram em quatro anos e meio de conflito armado na Síria, que começou com protestos antigoverno, e cresceram até dar origem a uma guerra civil. Mais de 11 milhões de pessoas tiveram que deixar suas casas, em meio à batalha entre forças leais ao presidente Bashar al-Assad e oposicionistas – e também sob a ameaça de militantes radicais do Estado Islâmico.

    Os protestos pró-democracia começaram em março de 2011, na cidade de Daraa, após diversos assassinatos e atos de tortura contra manifestações que começaram a ser realizadas, o país entrou em guerra civil, e brigadas rebeldes foram formadas para enfrentar forças do governo pelo controle de cidades e vilas. Em 2012 batalha chegou à capital, Damasco, e a Aleppo, segunda cidade do país.

    O conflito mudou muito desde o início. Isso porque moderados seculares hoje são superados em número por islâmicos e jihadistas, adeptos de táticas brutais que motivam revolta pelo mundo.

    O EI se aproveitou do caos e tomou controle de grandes áreas na Síria e no Iraque, onde proclamou a criação de um "califado", (forma islâmica monárquica de governo) em junho de 2014. Seus integrantes estão envolvidos em uma "guerra dentro da guerra" na Síria.

    Há evidências de que todas as partes envolvidas no conflito, incluindo EUA e Rússia em tentativas de enfraquecer os rebeldes, cometeram crimes de guerra – como assassinato, tortura, estupro e desaparecimentos. 


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