• O cansaço dos desiludidos

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  • 05/08/2017 12:00

     Não assisti à votação temerária que manteve Michel Crise na farsesca presidência que exerce. Achei seria masoquismo ver novela rocambolesca de prenunciado final. Quando se insiste em voltar a lugar em que se sabe espreitar o achincalhe, o cinismo, o insulto, a mediocridade, a hipocrisia, certa forma de masoquismo acontece. Cívico, mas ainda masoquismo.

     Preferi a companhia de Guimarães Rosa e Victor Hugo. Augusto Matraga e Jean Valjean, melhores presenças em meu coração que Rodrigo Maia, Augusto Fraga e o deputado que sem temor tatuou-se Temer. Gente ridícula, com mandatos de gravatas-etiquetas anunciando preços de saldão para ocas consciências, gente que enoja. Já foi duro aturá-los no impeachment da Dilma, mas assisti àquele espetáculo triste, pois era necessário que Dilma saísse. Essencial que se fosse também o Temer, mas Dilma era amadora e o profissionalismo nauseante do PMDB mostrou de novo competência em construir malfeitorias.

     Sei que tem muita gente indignada. Vomitam na cara dos pró-impeachment, como eu, o resultado da “absolvição” do Temer, como se uma coisa fosse causa da outra. Ô assunto cansativo esse! Dilma subiu a rampa levando Temer a tiracolo. Ele não invadiu aquela rampa. Lula, após ter traído o PT das origens, foi quem buscou no PMDB seus melhores amigos de infância (BFF’s), seus fiéis da balança. Infiéis lhes foram: problema de quem se casou mal. Trágico que a aliança espúria deixe ao Brasil esses débitos de abuso, ilegitimidade e corrupção, pagos em desemprego, comércios quebrados, aposentados aviltados, universidades falidas, futuros traídos.

     Com tão afrontoso Presidente Baixo-Clero, há quem não entenda como o povo não vai às ruas, como na Venezuela (de apoiadores petistas), que vive um Calvário. É cansaço cívico. Contam os historiadores que na luta pela Lei do Ventre Livre (1871) acirradas e demoradas foram as batalhas. O Imperador mobilizou-se, os abolicionistas, nossas mentes mais brilhantes e libertárias, enfrentando retrógrados escravagistas, os senhores das trevas. Quando veio a Lei – dadas as circunstâncias, com concessões – foi avanço saudado mundo afora. Por que dela não se fez logo a arrancada em direção à emancipação completa? Havia guerreiros cansados da luta, o Imperador adoecido, militantes exauridos. Fez-se um como que repouso necessário, já que miúda era a sociedade organizada de então, poucos os militantes, baixa a taxa de reposição. Houve ressaca cívica.

     Como agora. Desde o 2013 de homéricas passeatas e manifestações, depois a acirrada eleição de 2014, emporcalhada pela incivilidade petista, dando nos empenhos pró-impeachment que se seguiram, um certo cansaço tomou conta do povo. O cansaço dos desiludidos, ressaca cívica. Não é que as pessoas estejam satisfeitas com o Temer. Não é que não desejem que ele saia. É que aquelas lutas tremendas antes travadas deram como resultado justamente esse Michel Crise. E não se vislumbram lideranças confiáveis para a resistência. Então, há um fastio de luta que causa náusea, rejeição, coração apertado, mas que não se faz militância. Como 2018 está por vir, muita gente, inconscientemente preserva energias para a eleição decisiva, quem sabe acerto de contas entre este passado sombrio de agora e o futuro que desejamos venha azul. Não é muito, eu sei. Mas é algo. Como Jean Valjean, não desistamos. Pois, dizia Augusto Matraga, vai chegar a nossa hora; vai chegar a nossa vez. 

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

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