• O amor à vida – Ataualpa A. P. Filho Escritor

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  • 02/04/2017 08:00

    Há mais de três décadas que trabalho com a produção de texto. Não tenho contas das redações que já li. Algumas me marcaram, outras foram lidas como ossos do ofício. Mas sempre valorizadas, pois a linguagem tem as suas exigências reflexivas.

    No dia 23/03, ao corrigir uma prova de Língua Portuguesa, li uma narração que me levou a pensar sobre o amor à vida. Fiz as correções, dei a nota e arquivei, conforme o procedimento da escola pública em que trabalho. Mas o texto escrito por uma aluna não saiu da minha cabeça.

    Quando li as notícias sobre a tragédia que ocorreu no bairro Floresta em Petrópolis, veio mais forte a lembrança do gesto de amor que uma mãe demonstrou por uma criança ainda no seu ventre. 

    Movido pela ideia de tornar público um ato materno diante de tanta barbárie, procurei a aluna e pedi licença para contar a história dela, pois achei que não deveria ficar arquivada no armário da escola. Tirei os dados de identificação para preservar a privacidade da mãe e de sua família:

    “Esta é uma pequena, mas muito importante parte da minha vida.

    Eu casei muito nova, com 14 anos, no ano de 1995. Já estando com 18 anos, tive minha primeira filha, minha linda filha e carinhosa filha. Ela estando com a idade de um ano e um mês, descobri que estava grávida novamente.

    No primeiro momento, fiquei assustada, pois a V. era muito pequena, mas logo aceitei, pois se Deus tinha me dado a Graça de ser mãe novamente, era para eu agradecer.

    Com cinco meses de gravidez, fiz minha primeira ultrassonografia, no mês de janeiro de 2001.

    Na sala com o médico, perguntei sobre o bebê. Ele falou que era um menino, mas que tinha um problema.

    Meu filho tinha anencefalia, não tinha formado a calota craniana. E nascendo, não teria muito tempo de vida. Saí do hospital desesperada, chorando muito, fui direto ao obstetra que fazia meu pré-natal. Ele falou a mesma coisa. E ainda falou que se eu quisesse poderia entrar na justiça, para pedir para abortar. Mas falei para ele que, se o tempo de vida que ele tinha, era o de dentro da minha barriga, ele ia ficar lá.

    Meu filho nasceu no dia 22 de junho de 2001.

    Meu pequeno Emanuel! Tive que fazer Cesária, pois ele estava sentado. Pensei que estivesse morto, pois não chorou. Eu chorei o tempo todo. Quando a enfermeira foi ao meu quarto, perguntei pelo meu bebê, lembro até hoje do nome dela.  Ela me falou que ele estava vivo, era um garotão.

    Assim que passou a anestesia, fui vê-lo. Ele estava separado dos outros bebês no canto da sala do berçário, em uma incubadora, coberta com um lençol. Quando olhei para ele, vi que meu filho era lindo, moreno de cabelos cheios de cachinhos pretos, segurei na mão dele. E ele apertou com força. Meu pequeno anjo, tão pequeno, meu guerreiro ainda viveu 3 dias. No dia 25 de junho, meu pequeno anjo voltava para Deus e levava um pedaço de mim junto.

    Em 2007, no dia 2 de junho, tive minha segunda princesa, linda e levada.

     Sei que meu pequeno Emanuel virou um anjo, o nosso anjo da guarda, amo minhas filhas e sempre amarei meu filho.

    Meu pequeno anjo Emanuel!

    – Anjo Emanuel, quando você encontrar a Laurinha, diz que eu mandei lembrança…

    No dia 30/03, mostrei este texto à mãe. Nesse dia, ela veio à escola com as duas filhas. A mais velha nasceu em 08 de agosto de 1999. O amor é visível entre elas.

    P.S.: Externo aqui o sentimento de pesar dos membros da Academia Petropolitana de Letras e da Academia Petropolitana de Educação pelo falecimento do ilustre Frei Alberto Beckhäuser, um amigo que sabia ouvir a voz do silêncio, um dom abençoado por Deus.

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