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  • 18/09/2022 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Partido. Iniciarei a nossa prosa usando um recurso bastante comum que consiste em ir ao dicionário para transcrever o significado da palavra que se pretende explorar. E, entre os dicionários mais citados, encontramos o que leva o nome do lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.

    O meu “Aurelião” é tratado com muito carinho. Foi um presente que ganhei de uma grande amiga bem antes da última reforma ortográfica. Mas eu o tenho como uma relíquia, pois se trata de um dos selos de uma amizade que se mantém até hoje em uma reciprocidade fraterna. É uma ferramenta de trabalho bastante usada.

    E, antes de entrar no cerne da nossa conversa, vou lhe contar um caso de infância:

    Do primeiro poema que escrevi, ainda criança, não tenho a mínima ideia do tema abordado. Mas depois que o escrevi, quis escondê-lo para que ninguém o visse. Portanto, coloquei-o entre as páginas do livro mais grosso que havia na estante do meu pai: o dicionário de capa preta dura da edição Mec-Fename.

    Achei que ali o poema estaria bem escondido. Ledo engano! O Dicionário era o livro mais manuseado em casa. A minha mãe encontrou a folha de caderno em que o poema estava escrito. Fez uma pesada crítica sobre os aspectos ortográficos…

    Nunca abortei o desejo de escrever, de pensar alto com as palavras, de sonhar com as palavras, de lavrar o que sinto sem metrificá-las. Em síntese, este amor pelo vocábulo talvez tenha surgido pelos “bolos” que levei. A palmatória de uma das minhas professoras do antigo primário era muito pesada. Os erros no ditado eram bem castigados. Aprendi até a me divertir com a dislexia. Vivo procurando palavras dentro de outras. É fascinante!… Ali-via…

    Para o mestre Aurélio, “fazer dicionários é como caçar borboletas. As palavras voam, é preciso caçá-las no ar.” É um grande equívoco tachá-los como “Pai dos Burros”. Primeiro, porque quem busca saber é movido por um interesse que reflete um ato de inteligência. Quebra a inércia pela ida ao encontro do conhecimento. Consultar um dicionário é um exercício que amplia o léxico, aprimora a linguagem. O não uso dele é que tem levado ao emprego inadequado das palavras.

    – Quem não gosta do que “é bom pra burro”?…

    O outro equívoco está relacionado ao desconhecimento da forma como a expressão “Pai dos Burros” surgiu. Diante da qualidade do trabalho do citado dicionarista, o nome “Aurélio” tornou-se quase um sinônimo de “dicionário”. “Procura no Aurélio”, “vê no Aurélio”…

    O pai do referido mestre fabricava carroças puxadas por burros. O que ele fazia era bom para os clientes, para os usuários e para os animais, os burros. E assim Aurélio, quando menino, passou a anotar as expressões de enaltecimento ao trabalho do pai.

    E aqui paro em busca de desculpas, já estamos no meio da prosa. Não comecei como pretendia, mas cumprirei o prometido. Quando escrevo é assim: a memória fica desatada, desencabrestada. Corro atrás das ideias quando fogem! Um assunto puxa outro… Ando, desando…

    Eis o que o mestre lexicógrafo escreveu:

    “Partido – Dividido em partes. Quebrado. Fragmentado. Organização cujos membros programam e realizam uma ação comum com fins políticos e sociais; facção.”

    Com esses conceitos, já podemos dar prosseguimento: estamos divididos em partes, quebrados, fragmentados, ou seja, partidos. Em quantas partes? E quais os objetivos das facções organizadas?…

    Já estamos cansados de “dar com os burros n’água”. As decepções são constantes. Os interesses pessoais e das facções são colocados acima das necessidades da população mais desprovida economicamente.

    Em período eleitoral, sempre tenho discussões domésticas. A minha esposa me questiona por que eu, quando estou em casa, assisto às propagandas partidárias. Na rua, eu pego todos os panfletos que me oferecem e leio-os.

    A “zona” não está somente nos equívocos ideológicos, mas também no uso das significações das palavras. Os erros conceituais são inúmeros. Por isso que há um caráter cômico pela desconexão com a realidade, a demagogia é explícita.

    Pelo que ouvimos, pelo que lemos, o desapego aos dicionários, às gramáticas é muito grande. Observa-se que muitos falam de educação, mas não a levam a sério. O termo “educação e saúde” tornou-se, no discurso político, expressão expletiva, ou seja, uma espécie de “partícula de realce”. Estamos partidos…

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