• Xenofobia acentuada após o 11/9 ajuda a alimentar onda radical de ultradireita

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  • 08/09/2021 17:11
    Por Renato Vasconcelos / Estadão

    Vinte anos após o presidente George W. Bush declarar a Guerra ao Terror, em resposta aos atentados do 11 de Setembro, os EUA se voltam para dentro, com especialistas em segurança e autoridades alertando para o perigo do terrorismo doméstico. De acordo com analistas, grupos de radicais de extrema direita, como os que invadiram o Capitólio, em janeiro, são alimentados em parte pela xenofobia pós-11/9.

    Pesquisadora do extremismo, Cynthia Miller-Idriss, da American University, afirma que fatores sociais, econômicos e demográficos, além do efeito das redes sociais na propagação de desinformação, contribuíram para a popularidade dos grupos extremistas. Ela aponta uma relação direta entre a ascensão do jihadismo e a criação de um terreno fértil para a extrema direita nos EUA.

    “Os ataques (do 11 de Setembro) foram um presente para os defensores da xenofobia, supremacistas brancos e nacionalistas cristãos. Quase da noite para o dia, os EUA e os países europeus se encheram dos temores que a extrema direita vinha tentando alimentar há décadas”, disse, em artigo publicado pela Foreign Affairs.

    Ela também afirma que as ações militares dos EUA no Oriente Médio criaram um sentimento anti-islâmico entre as tropas e os veteranos – que passaram a ser recrutados por movimentos extremistas após voltarem de Iraque e Afeganistão.

    Além do recrutamento, a presença de extremistas no jogo político também cresce em relevância. Um estudo da Universidade de Chicago apontou que 89% dos presos no dia 6 de janeiro, nos protestos no Capitólio, não faziam parte de nenhum grupo extremista, ou seja, eram apenas “pessoas comuns”, atraídas por suas preferências ideológicas – o que mostra o poder de influenciar grupos tradicionalmente moderados.

    As ameaças internas aumentaram nos últimos anos, mas ganharam maior atenção internacional nos distúrbios do Capitólio, no dia 6 de janeiro, quando manifestantes que alegavam fraude nas eleições presidenciais invadiram o Congresso para impedir a certificação da vitória de Joe Biden.

    O tumulto resultou na morte de cinco pessoas, incluindo um policial. As cenas caóticas de congressistas escondidos atrás de mesas e bandeiras de grupos extremistas carregadas dentro da sede do Legislativo, rodaram o mundo, levantando questionamentos sobre a estabilidade democrática do país.

    Em resposta, 14 dias depois, o presidente Joe Biden listou o combate ao “terrorismo doméstico” e a grupos supremacistas brancos como um dos principais desafios de seu governo, ao lado do combate à pandemia e da recuperação econômica, em seu discurso de posse. “Estou comprometido com o combate ao “extremismo político, aos supremacistas brancos, ao terrorismo doméstico”, disse Biden.

    Mudanças

    O que ficou visível em janeiro, contudo, é apenas uma parte de um processo antigo e complexo, que envolve a formação de grupos extremistas violentos em solo americano. O uso de violência política é uma constante na história dos EUA, segundo Brian Michael Jenkins, analista da Rand Corporation. Para ele, o cenário atual é influenciado por mudanças socioeconômicas.

    “Temos uma sociedade que, por uma série de razões, se tornou mais polarizada. Há mágoa nos dois extremos políticos. Pela forma como a economia global se desenvolveu, por meio da automação e da globalização, deixamos para trás uma grande parte da nossa população. Falhamos em oferecer educação. Isso criou uma raiva, e essa raiva se manifesta em diversas formas de extremismo”, disse Jenkins ao Estadão.

    Parte desse extremismo tomou um viés reacionário. Nos últimos anos, grupos e movimentos da chamada “alt-right” surgiram nos EUA e na Europa. Eles negam o conservadorismo tradicional e defendem bandeiras antissistema, supremacistas, xenófobas e islamofóbicas.

    Uma das manifestações mais marcantes ocorreu em agosto de 2017, quando um movimento com a estética da Ku Klux Klan ganhou as ruas da cidade de Charlottesville, com centenas de supremacistas brancos marchando contra a remoção de uma estátua do general confederado Robert Lee, gritando frases racistas e antissemitas.

    O evento de Charlottesville foi o cartão de apresentação da alt-right e da nova safra de grupos supremacistas brancos – mas foi apenas o começo. Três anos depois, em setembro de 2020, o diretor do FBI, Christopher Wray, apontava o extremismo doméstico como prioridade nas atividades de contraterrorismo, durante depoimento ao Comitê de Segurança Interna da Câmara.

    “Mais mortes foram causadas por extremistas domésticos do que por terroristas internacionais nos últimos anos”, afirmou Wray, acrescentando que a maioria dos ataques teve motivação racial ou étnica. A fala ocorreu em meio a onda de manifestações antirracistas e contra a violência policial – iniciada pelo assassinato de George Floyd pelo policial Derek Chauvin -, quando grupos antagonistas rotulavam seus rivais de terroristas.

    Trump

    Setores conservadores acusaram movimentos como o Black Lives Matter e iniciativas antifascistas de “terrorismo doméstico”. Já a oposição defendia a criminalização dos movimentos de direita, como Boogaloos e Proud Boys, que agiam como milícias privadas. Em alguns casos, como durante um protesto na cidade de Kenosha, em Wisconsin, duas pessoas foram mortas por disparos de armas de fogo de um adolescente.

    Donald Trump instigou o debate e tentou incluir os antifascistas na lista de grupos terroristas. O comportamento apenas reforçou as críticas de opositores – e até de alguns republicanos -, incomodados com a reação do então presidente. Em sua análise sobre o aumento da violência, Miller-Idriss afirma que as ideias de extrema direita foram sendo normalizadas, sendo o sucesso eleitoral de Trump tanto uma causa quanto um efeito dessa tendência.

    “Sua campanha presidencial de 2016 e seu mandato foram impregnados de retórica populista, nacionalista e nativista, que a extrema direita percebeu como legitimação de suas opiniões”, escreveu. O maior exemplo dessa relação, foi a própria adesão de Trump ao protesto de 6 de janeiro, que acabou com a invasão do Capitólio.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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