Violência eleitoral na Colômbia dobra em meio a campanha polarizada
No início do mês, o candidato da esquerda à presidência da Colômbia, Gustavo Petro, denunciou um plano para assassiná-lo. Desde então, ele usa um colete à prova de balas. Com histórico de assassinatos políticos, os colombianos vão às urnas neste domingo (29), com o dobro de casos de violência na comparação com a eleição anterior, em 2018.
A chance de a esquerda chegar ao poder pela primeira vez com Petro, que lidera com 41% dos votos, segundo pesquisa Invamer, e o crescimento do candidato da direita radical, Rodolfo Hernández, terceiro colocado, com 21%, ampliam os temores de uma escalada de violência eleitoral até o segundo turno, em junho. Federico Gutiérrez, da centro-direita, é o segundo colocado nas pesquisas, com 26% das intenções de voto.
Em 2018, a Colômbia registrou 322 casos de violência eleitoral, 131 direcionados a políticos. Em 2022, o total saltou para 683, um incremento de 112%, com 291 casos registrados contra políticos. Os dados são da ONG Misión de Observación Electoral, que denuncia também o aumento da violência contra líderes comunitários.
Em 2 de maio, Petro anunciou a suspensão de sua campanha, alegando um plano para assassiná-lo. Embora a denúncia não tenha sido corroborada pela polícia, o governo do presidente Iván Duque reforçou a segurança do candidato. Gutiérrez, principal oponente de Petro, defendeu a medida – e uma investigação foi aberta.
Recurso
A violência política na Colômbia não é um episódio à parte de uma eleição marcada pela polarização. “A eliminação física do contrário tem sido o principal meio para ganhar eleições por partes de alguns grupos na Colômbia”, diz o cientista político da Universidad Nacional de Colombia, Edgar Andrés Londoño.
No entanto, havia a expectativa de que a violência diminuísse após a assinatura do acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 2016. Mas, após um recuo na eleição de 2018, os índices não param de crescer. Entre as principais razões para o aumento estão a presença de outros grupos armados disputando espaço deixado pelas Farc e o fracasso de Duque em implementar de fato o acordo.
“Houve um aumento das violações dos direitos humanos, de homicídios, do número de massacres e do deslocamento forçado”, afirma Laura Calle, antropóloga da Universidad Nacional de Colombia.
Disputa
“Após o acordo de paz, quando as Farc abandonam os territórios, esses espaços entram em disputa”, explica Maria Elena Rodríguez, pesquisadora do Brics Policy Center. “E são muitos atores nessa disputa, tanto legais quanto ilegais. Temos o narcotráfico, os paramilitares, forças privadas, empresas, mineração ilegal. E, logicamente, os líderes comunitários entram na mira da violência.”
Favoritismo
A violência direcionada a Petro chama atenção pelo fato de a esquerda ter chances reais de ocupar a presidência pela primeira vez. Segundo analistas, isto contribui para ataques de grupos que governam a Colômbia desde a independência. “Nossos presidentes sempre pertenceram às mesmas famílias”, diz Londoño. “São de uma elite muito fechada que não abre mão do poder. Isso faz com que a violência seja uma ferramenta da própria elite.”
Esta não é a primeira vez que Petro é alvo de episódios violentos. Em 2018, quando disputava a presidência com Duque, seu carro sofreu uma emboscada em Cúcuta. “Petro sempre foi ameaçado”, lembra Calle. “Mas como é a época das eleições essa violência se torna mais visível.”
“É muito simbólico que a Colômbia seja o único país da América Latina que nunca teve um governo de esquerda e aí são muitas demandas não cumpridas”, afirma Maria Elena Rodríguez. “As elites tradicionais se sentem ameaçadas. É o medo da mudança. São grupos partidários que estão no poder há muito tempo.”
Candidatos tentam desacreditar processo eleitoral
A violência não é a única marca da eleição presidencial colombiana. Para deixar o cenário ainda mais turbulento, candidatos vêm tentando desacreditar o processo eleitoral, falando em tentativas de golpe e acusações de espionagem.
Favorito nas pesquisas, o esquerdista Gustavo Petro fez diversas denúncias de golpe contra sua candidatura. “Não querem que as eleições ocorram no dia 29 de maio, porque eles sabem que vão perder. Eles estão tentando um golpe contra o voto popular, assim como já fizeram em Medellín”, disse Petro, citando o afastamento de Daniel Quintero da prefeitura da cidade.
O presidente da Colômbia, Iván Duque, imediatamente respondeu às acusações, dizendo que não havia “absolutamente nenhuma base para essa quantidade de boatos que alguns dos candidatos espalharam a respeito da suspensão da votação”.
A vice-presidente colombiana, Marta Lucía Ramírez, também rejeitou as denúncias. “Não haverá um golpe de Estado. Por isso, a Colômbia é a democracia mais estável da América Latina. A estabilidade do país é o bem mais importante que temos de proteger.”
Democracia
O selo de “democracia mais estável” dado pela vice-presidente marca a história da Colômbia, um dos países da América Latina que não sofreram com ditaduras. Ainda assim, analistas questionam essa estabilidade, já que a democracia colombiana é marcada por episódios de violência política.
Coação
Embora tenha feito a acusação mais séria, Petro não foi o único a desacreditar a eleição. Seu rival, Federico “Fico” Gutiérrez, de centro-direita, acusa grupos armados de estarem forçando a população a votar no esquerdista. “Paramilitares armados estão obrigando as pessoas a votarem em Petro”, disse, Gutiérrez, que está em segundo lugar nas intenções de voto.
Dias antes, ele denunciou que a equipe de Petro estaria espionando sua campanha. “Quero denunciar que foi encontrado um aparelho em uma de nossas sedes de campanha que, aparentemente, estaria transmitindo informações em tempo real sobre o que estava sendo discutido lá. Quero perguntar a Petro, por que eles estão nos espionando? O que eles estão tentando fazer?”, questionou Gutiérrez.
As autoridades policiais colombianas confirmaram a existência de microfones e de câmeras no gabinete do candidato, mas ainda investigam quem seria o responsável. Petro negou as acusações de espionagem feitas por Gutiérrez.