Viola Davis destaca a importância de uma mulher negra liderar bilheterias
Viola Davis chegou no sábado, 17, ao Brasil. Veio promover o lançamento do longa A Mulher Rei, de Gina Prince-Blithewood, que estreia no cinema na quinta, 22. O filme estreou arrebentando nos EUA, fez a melhor bilheteria do fim de semana no país. “É importante para uma mulher negra saber que ela pode liderar um blockbuster sem precisar de um protagonista branco ou masculino”, disse.
Por aqui, Viola cumpriu uma extensa agenda de turista antes das entrevistas: ainda no sábado, almoçou no Jockey Club, visitou o Cristo Redentor e jantou no restaurante Ouro, no Leblon. No domingo, foi a um show da Mangueira, na Cidade do Samba. Tocou tamborim e evoluiu com os veteranos da escola. “Não toquei nem dancei bem, mas foram todos muito simpáticos comigo.”
A primeira vez que Viola ouviu falar das Agojies foi em 2015. O tema chegou até ela através da também atriz Maria Bello, que lhe contou sucintamente a história das mulheres guerreiras do Daomé. No século 19, elas formaram um exército de ponta para combater duplamente o colonialismo europeu e uma tribo inimiga equipada por ele. “(Meu marido) Julius (Tannon) e eu começamos a pesquisar. Não sabíamos nada sobre as Agojies. Encontramos apenas um livro sobre elas, chamadas de amazonas africanas. Corremos atrás da história verdadeira evitando o clichê das amazonas, um mito branco.”
Emoção
Por que Gina? “Quando lhe contamos a história, ela chorou. Pode não ter sido somente por isso, mas Gina, a par de seu imenso talento como diretora, é uma mulher de muita sensibilidade. Precisávamos de alguém assim, com comprometimento, para resgatar a história das Agojies.” Viola é gloriosa como a líder das Agojies, Nanisca. Prepare-se para muitas e fortes emoções.
Racismo e escravidão no epicentro
Embora o trailer – impactante – de A Mulher Rei possa induzir o espectador a ver o filme de Gina Prince-Blythewood como uma nova aventura da Marvel, não há nada de superpoderes na história de Nanisca, a general que comanda o exército de guerreiras do rei de Daomé. “É uma história real e, infelizmente, pouco conhecida. Foi o motivo que nos impulsionou” – Viola inclui o marido produtor, Julius Tannen, que a acompanha na viagem ao Brasil. Ela aproveita para que o Brasil participe dessa história. O rei de Daomé, interpretado por John Boyega, da franquia Star Wars, combateu o próprio irmão escravocrata. Esse irmão chegou a vender a própria mãe. Ao reino de Daomé chegam um mercador de escravos português e seu parceiro brasileiro. O racismo e a escravidão estão no centro de A Mulher Rei.
Além de atriz, premiada com o Oscar de coadjuvante por Um Limite Entre Nós, direção de Denzel Washington, Viola também é escritora, autora de Em Busca de Mim, editado no Brasil pela Best-Seller. Na contracapa, Oprah Winfrey diz que esse é o livro para quem aprecia biografias edificantes sobre vitória. A garota criada num apartamento em pedaços de Central Falls conseguiu se transformar não apenas numa estrela negra do firmamento de Hollywood como uma voz ativa em defesa das minorias. Viola admite que tem suas referências, grandes atrizes (brancas) como Meryl Streep, Julianne Moore e Helen Mirren. Mas faz a ressalva. “Elas são grandes, porque tiveram espaço para mostrar do que eram capazes.”
Mulheres negras – atrizes negras – enfrentam muito mais dificuldades para se afirmar. “Em geral estamos no fim da cadeia na hora de mostrar habilidades. Um filme como o nosso é necessário, porque eleva a autoestima das mulheres e, em especial, das mulheres e crianças pretas.” Na coletiva, sentado ao lado dela, o marido produtor respondeu à pergunta – por que é importante recuperar a histórias das Agojies nesse momento? “Porque é uma história pouco ou nada conhecida, e essas mulheres conquistaram um espaço extraordinário por seu valor.” Nanisca – a personagem de Viola – passa de general a mulher-rei. “É uma história edificante. Mulheres e crianças pretas precisam dessas narrativas nesse mundo em que o racismo estrutural ainda é forte.”
Ninguém duvida do talento de Viola, mas como ela se preparou para seu filme de ação? Ops! “Embora tenhamos cenas muito fortes de luta, não creio que a definição seja exata. Para mim, A Mulher Rei não é um filme de ação, mas um drama, e poderoso.”
O repórter arrisca – e por que não um melodrama? Lá pelas tantas, a história vira de mãe e filha e esse é um tema clássico dos melodramas. “Conheço o melodrama, e conversava sobre isso com Gina (a diretora). Para nós, essa história tem mais a ver com os segredos que cada pessoa esconde. Nanisca tem uma parte da vida dela que permaneceu muito tempo oculta – o estupro – e, quando vem, ela não pensa em outra coisa senão em vingança. A violência contra mulheres é um drama universal e, durante a escravidão, foi um flagelo para as mulheres pretas.”
Mulheres
Na sequência da pergunta sobre o por quê de Gina Prince-Blythewood ter sido chamada para a direção, é inevitável observar que vários cargos-chave da equipe são ocupados por mulheres. Por que? “Porque podemos ser muito boas no que fazemos. Mulheres só precisam de oportunidades para se firmar no universo masculino.” Ainda sobre o tema – o poder das mulheres, Viola reflete. “É importante que o público pague para ver nossos filmes. É a única maneira de superar paradigmas. A indústria sobrevive de seus sucessos, e se tivermos a bilheteria, teremos reconhecimento.”
Na trilha de ‘Pantera Negra’
É difícil, senão impossível, fugir à comparação com Pantera Negra. Wakanda Forever! No caso, agora, é Daomé para sempre! Mas há uma diferença, e grande. Black Panther, com Chadwick Boseman, era um filme de super-herói da Marvel. Surgiu em sintonia com o movimento #VidasNegrasImportam. Foi um êxito planetário. A morte prematura do ator que fazia o papel chocou o mundo. A Mulher Rei baseia-se numa história real. Viola Davis, como Nanisca, não dispõe dos superpoderes de Scarlett Johansson nem de Brie Larsen, a Viúva Negra e a Capitã América. Mas é poderosa, corajosa, forte.
A história das Agojie, as chamadas amazonas negras do Daomé, não é lenda. Viola nem gosta que elas sejam chamadas assim. Por que amazonas negras? O rótulo tem qualquer coisa de racista. Coloca essas mulheres numa posição secundária, e elas não merecem. O filme abre num acampamento masculino. Um barulho agita os cavalos, os homens trocam olhares, pegam em armas sobressaltados. Do matagal, emergem as Agojie, e no centro delas, primeiríssima, Nanisca. Viola! É a primeira de uma série de derrotas que elas vão impor a seus inimigos tribais, no contexto colonialista da África do século 19.
O filme conta a história de Nanisca paralelamente à de Nawi. A garota rebelde, que não aceita o marido imposto pelo pai – e revida quando ele bate nela -, vai adentrar o universo das Agojie, as mulheres guerreiras do Daomé. Elas são objeto de respeito e admiração. Todos se curvam perante elas. Não podem ser olhadas nos olhos. As Agojie submetem-se a duros treinamentos. Não podem se casar nem ter filhos. Nanisca, a mais poderosa delas, guarda segredos – quem não os tem? Apesar da força, e da liderança, Nanisca vive um momento de fragilização perante o comandante da tribo inimiga. Esse homem mexe com ela. Reabre velhas feridas. O que isso tem a ver com Nawi?
Essa história é contada com muita cor. Cenários, figurinos, armamentos. A Mulher Rei segue a trilha que levou ao triunfo de Pantera Negra, vencedor de Oscars técnicos. Só que o filme não é só para encher os olhos. Destina-se ao olhar. Essas mulheres possuem segredos, são humanizadas em sua luta. Como diz Viola, “Nanisca não é uma metáfora, é real, e sua história merece respeito”.