• Veneno, agente nervoso, quedas. Há anos, inimigos do Kremlin são atacados ou mortos

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  • 25/fev 08:01
    Por Associated Press / Estadão

    Os ataques vão dos exóticos – envenenamento por chá contaminado com polônio ou exposição a um agente nervoso letal – aos mais prosaicos, como um tiro à queima-roupa. Alguns sofrem uma queda fatal por uma janela aberta.

    Ao longo dos anos, críticos políticos ao Kremlin, espiões traidores e jornalistas investigativos foram mortos ou agredidos de diversas formas.

    Na sexta-feira, 16, as autoridades russas informaram que o principal adversário político do presidente Vladimir Putin, Alexei Navalny, havia morrido em uma colônia penal no Ártico. Não se sabem os detalhes do que teria ocorrido; a equipe de Navalny afirma não ter confirmação oficial de sua morte, e as autoridades russas dizem que as causas ainda estão sendo apuradas. Seus aliados já haviam acusado anteriormente as autoridades russas de tentarem envenená-lo com um agente nervoso em 2020.

    Tentativas de assassinato contra os inimigos de Putin foram comuns ao longo de seus mais de vinte anos no poder. As pessoas próximas das vítimas e alguns sobreviventes culpam as autoridades russas, mas o Kremlin, por padrão, nega qualquer envolvimento.

    Também já houve relatos de importantes executivos russos que morreram em circunstâncias misteriosas, como quedas de janelas, embora às vezes seja difícil determinar se teriam sido assassinatos intencionais ou suicídios.

    Alguns casos relevantes de assassinatos documentados ou tentativas:

    Opositores políticos

    Em agosto de 2020, Navalny passou mal durante um voo da Sibéria para Moscou. O avião aterrissou em Omsk, onde Navalny foi internado e ficou em coma. Dois dias depois, foi transportado de avião para Berlim, onde se recuperou.

    Seus aliados quase imediatamente afirmaram que ele teria sido envenenado, mas as autoridades russas negaram. Laboratórios da Alemanha, França e Suécia confirmaram que Navalny havia sido envenenado por um agente nervoso do período soviético, conhecido como Novichok, que segundo ele teria sido aplicado em suas roupas íntimas.

    Navalny voltou à Rússia e foi condenado, em agosto do ano passado, a 19 anos de prisão por extremismo. Foi sua terceira condenação com pena de prisão em dois anos. Ele diz que as acusações tiveram motivação política.

    Na sexta-feira, 16, a Administração Penitenciária Federal da Rússia informou que Navalny havia se sentido mal após uma caminhada, e teria perdido a consciência. Uma ambulância havia chegado ao local, mas não conseguiu reanimá-lo. O órgão diz que a causa da morte ainda estava “sendo determinada”.

    Em 2018, Pyotr Verzilov, fundador do grupo de protesto Pussy Riot, adoeceu gravemente e também foi levado de avião para Berlim, onde os médicos disseram que o envenenamento era “altamente plausível”. Ele acabou se recuperando. No início daquele ano, Verzilov constrangeu o Kremlin ao correr pelo campo durante a final da Copa do Mundo em Moscou, com outros três ativistas, para protestar contra a violência policial. Seus aliados dizem que ele poderia ter sido perseguido por seu ativismo.

    Vladimir Kara-Murza, uma importante figura de oposição, sobreviveu ao que acredita terem sido tentativas de envenenamento, em 2015 e 2017. Ele quase morreu de insuficiência renal no primeiro caso, e suspeita de envenenamento, mas nenhuma causa foi determinada. Ele foi internado com um quadro semelhante em 2017, e submetido a um coma induzido. Sua esposa diz que os médicos confirmaram que ele havia sido envenenado.

    Kara-Murza sobreviveu, e seu advogado afirma que a polícia teria se recusado a investigar. No ano passado, ele foi condenado a 25 anos de prisão por traição. Em janeiro, ele foi transferido para um presídio na Sibéria, e colocado em confinamento solitário sob alegação de uma infração leve.

    O assassinato de maior destaque de um opositor político nos últimos anos foi o de Boris Nemtsov. Nemtsov foi vice-primeiro-ministro na época de Boris Yeltsin, e era um político popular e crítico ferrenho de Putin. Em uma noite fria de fevereiro, em 2015, ele foi morto a tiros por assaltantes em uma ponte ao lado do Kremlin, enquanto caminhava com sua namorada; foi uma morte que chocou o país.

    Cinco homens da região russa da Chechênia foram condenados por seu assassinato, e o atirador recebeu uma pena de 20 anos de prisão. Mas os aliados de Nemtsov consideram que essa foi uma tentativa de transferir a responsabilidade do governo.

    Ex-agentes de inteligência

    Em 2006, o desertor russo Alexander Litvinenko, ex-agente da KGB e da agência pós-soviética que a sucedeu, a FSB, ficou gravemente doente em Londres após beber chá envenenado com polônio-210 radioativo. Ele morreu três semanas depois.

    Litvinenko estava investigando o assassinato a tiros da jornalista russa Anna Politkovskaya, além dos supostos vínculos do serviço de inteligência russo com o crime organizado. Antes de morrer, Litvinenko contou aos jornalistas que a FSB ainda tinha em operação um laboratório de venenos do período soviético.

    Uma investigação britânica revelou que agentes russos haviam matado Litvinenko, provavelmente com a aprovação de Putin, mas o Kremlin negou qualquer envolvimento.

    Outro ex-agente de inteligência russo, Sergei Skripal, foi envenenado no Reino Unido em 2018. Ele e sua filha adulta, Yulia, passaram mal na cidade de Salisbury, e ficaram semanas em estado crítico. Eles sobreviveram, mas o ataque posteriormente custou a vida de uma mulher britânica e deixou um homem e um policial gravemente doentes.

    As autoridades dizem que ambos foram envenenados com o agente nervoso militar Novichok. O Reino Unido culpou a inteligência russa, mas Moscou negou qualquer participação. Putin chamou Skripal, que foi um agente duplo da Grã-Bretanha durante sua carreira de espionagem, de “canalha” sem interesse para o Kremlin, porque foi julgado na Rússia e entregue em uma troca de espiões em 2010.

    JornalistaS

    Inúmeros jornalistas que criticaram as autoridades russas foram assassinados ou sofreram mortes misteriosas, que seus colegas em alguns casos atribuíram a alguém na hierarquia política. Em outros casos, os relatos de relutância das autoridades em investigar levantaram suspeitas.

    Politkovskaya, a jornalista do jornal Novaya Gazeta cuja morte Litvinenko estava investigando, foi morta a tiros no elevador de seu prédio em Moscou, em 7 de outubro de 2006 – o dia do aniversário de Putin. Ela havia recebido reconhecimento internacional por suas reportagens sobre violações de direitos humanos na Chechênia. O atirador, da Chechênia, foi condenado a 20 anos na prisão pelo assassinato. Quatro outros chechenos receberam penas mais curtas por seu envolvimento no assassinato.

    Yuri Shchekochikhin, também repórter do Novaya Gazeta, morreu de uma doença súbita e violenta em 2003. Shchekochikhin estava investigando negócios corruptos e o possível papel dos serviços de segurança russos nos atentados a bomba em prédios residenciais em 1999, que foram atribuídos a insurgentes chechenos. Seus colegas insistiram que ele havia sido envenenado, e acusaram as autoridades de dificultarem deliberadamente a investigação.

    Yevgeny Prigozhin e seus assistentes

    Um acidente de avião em agosto do ano passado, que matou Yevgeny Prigozhin e seus principais assistentes do grupo militar privado Wagner, aconteceu dois meses depois do dia em que ele lançara uma rebelião armada que Putin considerou “uma punhalada nas costas” e “traição”. Embora não fosse um opositor de Putin, Prigozhin criticou a liderança militar russa e questionou os motivos da guerra na Ucrânia.

    Uma análise de inteligência dos EUA revelou que o acidente que matou todas as 10 pessoas a bordo havia sido causado intencionalmente por uma explosão, segundo autoridades ocidentais e americanas. As autoridades falaram sob condição de anonimato porque não tinham autoridade para se manifestar. Uma delas disse que a explosão ia ao encontro do “longo histórico de tentativa de silenciamento de seus críticos” por Putin.

    O porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, rejeitou as alegações de que o Kremlin estivesse por trás do acidente. “Claro, no Ocidente essas especulações são divulgadas a partir de um certo ângulo, e é tudo uma completa mentira”, disse ele aos repórteres.

    Em seus primeiros comentários públicos após o acidente, Putin pareceu sugerir que não havia desentendimento entre ele e Prigozhin. Mas Abbas Gallyamov, ex-redator de discursos do Kremlin que se tornou analista político, disse que: “Putin já demonstrou que se você não obedecer a ele sem questionar, ele irá se livrar de você sem piedade, como um inimigo, mesmo que você seja formalmente um patriota”.

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