Veja a íntegra da defesa do ex-ministro Anderson Torres em julgamento de denúncia de golpe
O advogado do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres, Eumar Novacki, em sustentação oral nesta terça-feira, 25, no julgamento que pode tornar Torres réu por, entre outros crimes, tentativa de golpe de Estado, defendeu que os autos relacionados ao ex-ministro sejam encaminhados a uma das Varas criminais da seção judiciária do Distrito Federal, em vez de julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo Novacki, as acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR) em relação a Anderson Torres são “falsas ilações”. A Primeira Turma do STF julga a denúncia contra o “núcleo 1” dos denunciados por golpe, que, além de Torres e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), inclui outros seis acusados.
Veja a íntegra da defesa de Anderson Torres:
Cumprimento o Excelentíssimo senhor ministro Cristiano Zanin, presidente desta Turma, cumprimento o Excelentíssimo senhor ministro Alexandre de Moraes, relator deste caso, cumprimento a Excelentíssima senhora ministra Cármen Lúcia, em nome de quem cumprimento todas as mulheres que acompanham este julgamento, cumprimento os Excelentíssimos senhores ministros [Luiz] Fux, ministro Flávio Dino, em nome de quem cumprimento todos os servidores desta casa, cumprimento o Excelentíssimo senhor procurador-geral da República, Paulo Gonet, em nome de quem cumprimento todos os membros do Ministério Público, advogados, cumprimento também o ex-presidente da República aqui presente, profissionais da imprensa, senhoras e senhores.
Os atos de 8 de janeiro certamente serão uma mancha na história recente do Brasil. O STF agiu rapidamente e com a energia necessária para combater aqueles atos gravosos. Passado, porém, aquele calor do momento, é necessário serenidade para que se evite, com a justificativa de proteger o Estado Democrático de Direito, que venhamos a solapar uma de suas bases mais importantes: o devido processo legal.
O Supremo Tribunal Federal vem cumprindo fielmente com a sua missão de guardião da Constituição, e o que se espera da mais alta Corte do País é que ela aja sempre com isenção, que jamais permita que discussões políticas partidárias ou ideológicas contaminem as suas decisões. Essa imparcialidade é fundamental para o Brasil. E neste caso simbólico que aqui trazemos, em sua exordial acusatória, o Ministério Público Federal imputa a Anderson Torres o fato de fazer parte de uma macabra trama golpista.
O que nós vamos demonstrar aqui tecnicamente é que em relação a Anderson Torres a denúncia é inepta e permeada de falsas ilações. E, antes de adentrar no mérito da denúncia, eu falo rapidamente aqui sobre a competência deste Supremo Tribunal Federal para julgar pessoas sem prerrogativa de foro. É necessário que haja evidente conexão com pessoas com foro aqui investigadas. Neste caso, a denúncia não teve êxito em demonstrar essa conexão entre os atos de Anderson Torres com a conduta daqueles que têm foro, portanto processados e julgados neste Supremo Tribunal Federal. Portanto, preliminarmente o que se pede é que em relação a Anderson Torres os autos sejam encaminhados a uma das Varas criminais da seção judiciária do Distrito Federal.
Superando essa questão, passamos então à análise da denúncia. O Ministério Público Federal imputa a Anderson Torres cinco condutas consideradas então criminosas. Quais sejam elas, ministro Fux? A participação de uma live em julho de 2021. O que mais, ministra Cármen Lúcia? A participação de uma reunião ministerial em julho de 2022. E mais, ele teria usado o aparelho estatal, notadamente a Polícia Rodoviária [Federal] para interferir nas eleições em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro. E mais ainda, ele teria prestado assessoramento jurídico para possíveis atos golpistas, segundo a denúncia de dois generais, além de uma possível omissão como secretário de Segurança.
Ora, todas as condutas que foram elencadas pelo Ministério Público se trata da sua conduta profissional, o exercício das suas funções. Mas vamos lá. Convocado pelo ex-presidente da República para participar de uma live que durou quase duas horas, e eu duvido que tenham assistido, Anderson Torres se manifestou durante meros quatro minutos finais; lembraram que ele estava lá e o chamaram. Anderson Torres se limitou a ler um documento que foi feito por peritos criminais federais, sem fazer qualquer juízo de valor. Por isso, já mostra que é irrelevante a sua participação naquele ato. E outro detalhe importante, senhor ministro Flávio Dino, no ordenamento jurídico pátrio, abolição violenta do Estado democrático de direito e tentativa de golpe foi instituído em setembro de 2021, passou a vigorar em dezembro de 21. Portanto essa live, senhor procurador Gonet, ela não poderia servir de justificativa para o enquadramento nesses tipos penais.
Em relação à reunião ministerial, Anderson Torres falou durante aproximadamente cinco minutos. Podemos dividir aqui em três tópicos. Primeiro, ele fala que todos os ministros devem prestar conta do que vem fazendo nas suas pastas. Segundo, ele comenta sobre a live, e terceiro, ele tece comentários a respeito de uma matéria jornalística que foi publicada pela revista Veja e pela CNN, que trazia a delação de Marcos Valério. Onde, segundo a delação, senhor ministro Zanin, Marcos Valério teria citado uma possível ligação entre o PT e organizações criminosas. Portanto, quando ele fala sobre isso não é fruto da sua imaginação, mas ele faz questão apenas de replicar notícias que saíram em respeitados veículos de comunicação. Sobre a questão da utilização da PRF para interferir nas eleições, em nenhum momento da denúncia se aponta uma conduta concreta por Anderson Torres. Pelo contrário, se tratam de ilações, palavras de terceiro, e o que é mais grave aqui, senhor ministro Alexandre de Moraes, eles omitem que na reunião estavam presentes cerca de 15 pessoas para tratar da segurança das eleições. Ora, 15 pessoas seriam cúmplices de uma ação criminosa? É óbvio que não. A realidade é que nunca foi tratado naquele momento de qualquer tipo de policiamento direcionado. Portanto, é inepto, é uma questão que não é criminosa, faz parte da rotina da sua função.
Em relação ao depoimento dos ex-comandantes do Exército e Aeronáutica que dizem que Anderson Torres prestou assessoria jurídica ao ex-presidente da República em reunião que eles teriam participado, chama atenção em primeiro lugar senhor Gonet, que tanto Freire Gomes como Baptista Júnior foram ouvidos como testemunhas, enquanto todos os demais que teriam participado de uma reunião golpista foram ouvidos como investigados na mesma data e no mesmo horário. Chama mais atenção ainda a postura do órgão acusatório, senhor ministro Zanin, que mesmo diante de contradições e da vagueza dos depoimentos, e mesmo Anderson Torres com seu espírito colaborativo tendo solicitado diligências importantes para o esclarecimento dos fatos, tem optado em prematuramente oferecer a denúncia em relação ao Anderson Torres. Ora, a conclusão é óbvia, senhor ministro Fux, não havia interesse que a realidade fosse demonstrada. Os relatórios de entrada e saída do Palácio do Planalto demonstram, por exemplo, senhora ministra Cármen, que em nenhum momento Freire Gomes, Baptista Júnior e Anderson Torres estiveram reunidos no mesmo local e no mesmo horário. Isso vai de encontro aos depoimentos, mostrando que os depoimentos dos ex-comandantes não correspondem com a realidade. Ao invés disso, preferiu-se dar peso descomunal a uma minuta totalmente absurda. Qualquer um que lê chega a essa conclusão, uma minuta absurda, apócrifa, encontrada na casa do ex-ministro. Uma minuta que não tem valor jurídico algum, que circulava livremente, inclusive sendo distribuída para diversas autoridades. Inclusive, senhor ministro Zanin, estava na internet.
A Polícia Federal, senhor ministro Alexandre, numa tentativa desesperada de dar peso a essa prova, afirma em seu relatório, senhor ministro Flávio Dino, que Anderson Torres mentiu em seu depoimento quando disse que aquela minuta estava na internet desde dezembro. Ora, se alguém mentiu, não foi Anderson Torres. Nós juntamos uma ata notarial que mostra sem sombra de dúvidas que minuta idêntica ainda está na internet. E mais ainda, o detalhe mais importante, com a sua inserção dia 12 de dezembro de 2022. A PGR silencia sobre isso. E, por fim, não há [inaudível] do secretário de Segurança. Diferente do que do que a denúncia traz, ficou provado nos autos que Anderson Torres programou a suas viagens de férias em julho do ano anterior e que ele adquiriu as passagens para si e sua família em novembro, quando sequer havia cogitação de qualquer manifestação. O tão falado, ministra Cármen Lúcia, o relatório de inteligência número 6, ficou evidente que nunca chegou às mãos de Anderson Torres.
Portanto, até o horário do seu embarque com a sua família para os Estados Unidos, não havia absolutamente nada que contraindicasse o seu plano de férias. E é relevante anotar que Anderson Torres aprovou o protocolo de ações integradas e encaminhou pros órgãos operacionais. A Secretaria de Segurança não é responsável pela parte operacional executiva. Ele mandou então que as instituições cumprissem. E detalhe relevante, o PAI, o protocolo de ações integradas, previa diversas ações, entre elas proibia o acesso à Praça dos Três Poderes. Se o PAI fosse cumprido, nós não teríamos visto os lamentáveis atos do 8 de janeiro. Olha que detalhe interessante.
O relatório de inteligência da Polícia Judiciária que foi juntado no processo é o documento 9, é o relatório 02 de 2023, traz conversas entre o secretário-substituto e Anderson Torres na véspera dos ataques de 8 de janeiro. Ou seja, no dia 7 de janeiro à noite, Anderson Torres estava sendo tranquilizado das ações no DF, e cabe ressaltar aqui, senhor procurador-geral Paulo Gonet, membros do Ministério Público Federal que analisaram todos esses fatos sob a ótica do inquérito civil chegaram à conclusão que Anderson não tinha responsabilidade, porque de fato o Anderson Torres cumpriu com seu mister. Cabe reparar aqui, senhor ministro Fux, que todas as quebras de sigilo que houveram de telefones daqueles com quem Anderson Torres teve contato, a exemplo desse diálogo com Fernando, o secretário-substituto, demonstram sem sombra de dúvidas que nada foi encontrado que incriminasse Anderson Torres.
Pelo contrário, o que foi encontrado, ministro Zani, demonstra seu espírito apaziguador e democrático. E foi por essa razão, senhor ministro Flávio Dino, que a defesa de Anderson Torres entregou as senhas da nuvem do seu telefone celular e do seu e-mail. Nenhuma vírgula, senhora ministra Cármen Lúcia, foi falado à PGR em relação aos dados telemáticos de Anderson Torres e as quebras de sigilo. Por que razão? Porque tudo que foi encontrado favorece Anderson Torres, mas ao invés disso a PGR denunciou Anderson Torres de modo temerário, imputando-lhe condutas que sabidamente não são crimes. E mais, nós teríamos aqui como elencar diversas provas de que não há condições de prosseguir a denúncia em relação a Anderson Torres porque não há justa causa.
E eu poderia citar aqui por exemplo a transição da pasta, onde em novembro de 2022 o ex-ministro Anderson Torres se reuniu com o então com o ministro Flávio Dino para começar a transição da sua pasta. Ora, Anderson Torres quando soube que estavam invadindo os prédios públicos mandou uma mensagem pro seu substituto: não deixe chegar no Supremo. No dia 6, ministra, isso é muito importante, no dia 6 pela manhã Anderson Torres se reuniu com o general Dutra com objetivo de desmobilizar os acampamentos em frente aos quartéis. Ora, são atitudes incompatíveis para aquele que pretende dar um golpe de Estado.
E mais relevante, e para finalizar, é que na delação premiada de Mauro Cid, um dos personagens centrais de toda essa denúncia, ele não implica Anderson Torres. Portanto, o que fica claro é que o ex-ministro da Justiça Anderson Torres jamais participou de qualquer ação golpista e nós devemos buscar o que é correto, justo e digno. E é por isso que nós pedimos a rejeição da denúncia em relação a Anderson Torres. Muito obrigado.
Flávio Dino: Presidente, com a sua aquiescência, gostaria só de tirar uma dúvida.
Cristiano Zanin: Pois não, ministro Flávio Dino.
Flávio Dino: Senhor Novacki, o senhor aludiu a uma data, dia 12 de dezembro, e certamente por limitação orgânica minha eu não captei o que aconteceu no dia 12 de dezembro que o senhor mencionou.
Novacki: Em 12 de dezembro foi inserida aquela minuta, a idêntica minuta encontrada na casa do Anderson Torres. Ela circulava pela internet com a data de inserção em dezembro de 2022.
Dino: Inserção onde?
Novacki: Na internet
Dino: Publicamente?
Novacki: Isso
Dino: Ok, agradeço ao senhor.
*Este conteúdo foi transcrito com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado pela equipe editorial do Estadão. Saiba mais em nossa Política de IA.