A varíola dos macacos, doença que já tem três casos confirmados no Brasil, não deve causar o mesmo estrago que a covid-19, mas merece ser monitorada com atenção. Essa é a avaliação de Ester Sabino, professora da Universidade de São Paulo (USP) e líder do grupo responsável pelo primeiro sequenciamento do vírus no Brasil, trabalho que foi feito em apenas 18 horas.
Isso ocorreu graças a uma técnica metagenômica rápida desenvolvida no Brasil durante o doutorado de Ingra Morales Claro, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Ela faz parte do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), coordenado por Ester.
A professora também esteve à frente do primeiro sequenciamento de Sars-CoV-2 no país, em março de 2020, e dos primeiros casos da nova variante Gama, surgidos em Manaus cerca de um ano depois. Em entrevista ao Estadão, Ester destaca a importância da rapidez do sequenciamento do vírus causador da varíola dos macacos em comparação ao causador da covid-19, que levou semanas para ser decifrado quando surgiu na China.
Segundo Ester, o trabalho dos cientistas de entender o vírus e acompanhar suas mutações é fundamental para frear o avanço da epidemia.
Qual a importância da técnica metagenômica rápida desenvolvida por vocês para o sequênciamento da varíola do macaco? E como isso auxilia no controle da doença no País?
A nossa missão foi desenvolver ferramentas para tornar mais fácil o reconhecimento de novos agentes, baixando o custo e tornando mais rápido o sequenciamento do vírus. Isso permite que a tecnologia esteja disponível em mais pontos do País, para que quando um novo agente chegue, vários lugares consigam trabalhar rapidamente.
Quando surgiu o vírus Sars-cov-2 em Wuhan, na China, demorou cerca de um mês para reconhecerem o agente. Isso tem impacto, porque quanto menor o tempo de reconhecimento, maior a chance de conter uma epidemia.
Até existem técnicas mais baratas para fazer a triagem do vírus, mas o problema é que elas dependem de insumos que nem sempre estão disponíveis no início de uma epidemia.
Vocês descobriram algo sobre o vírus que se diferenciasse do que já se conhecia?
Descobrimos que o vírus do paciente (o primeiro identificado no Brasil, um homem de 41 anos que passou por tratamento na capital paulista) já tinha sofrido três mutações em relação aos outros vírus da mesma doença descritos na Europa. O vírus não tem uma taxa rápida de mutação, mas isso precisa ser monitorado.
O que precisa ser feito agora para monitorar o desenvolvimento da doença?
Agora, o mais importante é que a gente tenha técnicas de PCR disseminadas pelo país para que os casos sejam reconhecidos rapidamente. E o País precisa ter insumos necessários para fazer PCR (teste de qualidade padrão-ouro, com maior precisão) em um grande número de casos.
O sequêncimento que fizemos não podemos fazer em todo mundo, então é importante que testes mais simples sejam desenvolvidos.
A vacina para varíola que temos hoje protegeria contra essas novas variantes, caso a vacinação em massa volte a ser necessária?
Sim, ela deve funcionar. Teríamos de aumentar a sua produção, mas provavelmente devem fazer vacinas específicas para esse agente.
Há riscos de que a varíola dos macacos se torne uma pandemia, assim como aconteceu com a covid-19?
Esse vírus não tem uma transmissão aérea, assim como a covid-19. Doenças respiratórias transmitem mais. O monkeypox precisa de um contato muito íntimo para que as pessoas se contaminem. Por isso, provavelmente a varíola dos macacos não vai ter a mesma dimensão que teve a covid.