• Un peuple mulâtre

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  • 20/jan 08:00
    Por Gastão Reis

    Inicio o artigo pedindo solenes desculpas pelo título em francês. Poderia ter sido “Um Povo Mulato”, mas mantive em francês em homenagem ao intelectual francês que, em visita ao país, assim nos qualificou, Um dileto amigo e colega do IHP – Instituto Histórico de Petrópolis foi quem me relatou o fato. Infelizmente, ele não conseguiu achar o texto original, e nem eu no que pesquisei. Mas o visitante francês existiu e o meu amigo tem boa memória.

    De fato, a presença de africanos e seus descendentes nas ruas do Rio de Janeiro, no século XIX, era significativa, inclusive como parte expressiva da população total. Mas não foi só o francês. Outros europeus e americanos, que também conheceram o Rio de Janeiro naquela época, nos viam da mesma forma. Não obstante, o espanto maior da parte deles era se deparar com negros e mulatos na alta administração do Império. Claro que era em percentual menor do que o encontrado nas ruas, mas nem por isso inexpressiva. Bom relembrar que Machado de Assis, nosso maior escritor, e agora considerado um dos grandes da humanidade, compunha os quadros do Ministério da Agricultura, e chegou ao posto de vice-ministro.

    Era fato que os filhos de escravos não podiam frequentar escolas. Mas a ativa política de alforrias, concedidas ou compradas, seguia a todo vapor. Ou seja, cerca de 60% dos descendentes de escravos já eram livres na cidade do Rio de Janeiro em meados do século XIX. Livres, passaram a ter acesso a escolas públicas de boa qualidade, com professores bem remunerados, o que lhes abriu as portas para os cursos superiores de advocacia, medicina e engenharia então existentes. Daí engenheiros como André Rebouças e seu irmão, numerosos jornalistas, empenhados na luta pela abolição, e muitos advogados e também médicos. 

    A melhor resposta aos eugenistas do início da república, que implantaram a política do embranquecimento, segundo eles necessária para que o país se desenvolvesse, pode ser desmontada quando atentamos para fatos históricos deixados de lado. A Profa. Maria Alice Rodrigues Müler, doutora em educação pela UFRJ e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Universidade Federal de Mato Grosso, desenvolveu uma linha de pesquisas que  vem jogando por terra mitos cultivados há décadas.

    Um deles é que após 120 anos de abolição, em suas próprias palavras, “os negros não teriam tido tempo de recuperar o atraso. O outro é que os negros só muito recentemente chegaram à escola, razão pela qual a maioria das pessoas de cor se encontraria nos patamares mais inferiores da vida nacional”. Em artigo publicado em O Globo, (“Cadê a elite negra na educação?, 5.12.2008), ela se reporta às fotografias mostradas no livro “A cor da escola – imagens da Primeira República”.

    O fato notável nessas fotos de formatura do início do século XX é a presença de professores negros, inclusive como diretores e vice-diretores, no Rio de Janeiro e em Mato Grosso. Eles chegaram a compor cerca de 20% dos quadros do magistério nesses estados. A partir do final da década de 1920, essas fotos vão embranquecendo, quase desaparecendo a presença de professores e alunos negros e mulatos. Foi o triste “esplendor” da política de embranquecimento adotada pela república. E o fim da obra de inclusão dos dos tempos do Império.    

    Essa visão se somou à do engavetamentou, no início da república, da proposta do Visconde de Ouro Preto, último Primeiro-Ministro do Império, que previa o assentantamento dos libertos em terras devolutas ao longo das ferro-vias, cuja malha era considerada uma das maiores do mundo de então. Barrar o acesso a bens de raiz, como a terra, e ainda limitar o acesso da população de origem africana à educação pública de qualidade era a receita certa para dar errado. Impediu o acesso dos libertos à terra, a empregos e a profissões liberais.

    A proposta do embranquecimento foi levada adiante, durante a primeira metade do século XX, como se fosse um passo essencial (e científico!) para tirar o país da marcha lenta em matéria de crescimento deixada pelo Império. Mas, de fato, não foi isso que aconteceu. Autores de peso como historiadores e diplomatas foram os que realmente nos informaram sobre o sucesso da Império na economia, acompanhando o crescimento do resto do mundo.

    Merecem registro os seguinte nomes: Helio Vianna (1908-1972), que nos informa que o PIB do Império teria decuplicado no II Reinado; Boris Fausto (1930-2023), além de historiador e cientista político, nos diz que, a partir de 1850, o crescimento teria sido muito bom; e ainda o famoso jornalista e diplomata Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)  que nos garante: no último ano da monarquia o Brasil era uma nação próspera e respeitada internacionalmente. E ainda Heitor Lyra (1893-1973) com sua alentada obra “História de D. Pedro II”, agora em volume único.

    Estes historiadores batem de frente com a historiografia econômica consolidade que afirma ter sido medíocre o crescimento da renda real per capita ao longo do Império, em especial após 1850. Dentre eles cabe citar Celso Furtado, o marxista Caio Prado Jr., dentre outros. Mesmo o brasilianista William Summerhill,  em sua sólida obra, nesse quesito, se deixou levar pela visão equivocada da historiografia econômica consolidada.   

    Por fim, foi lançada, em 2022, a pesquisa dos Profs. Edmar Bacha, Guilherme Tombolo e Flavio Versiani, intitulada “Estagnação Secular? – Uma nova visão sobre o crescimento do Brasil ao longo do aéculo XIX”, em que eles comprovam que as conclusões vigentes estavam baseadas em métodos inadequados e em evidência estatística insuficiente.  Concluem que “a renda real per capita do período imperial foi de 0,9% ao ano, um crescimento semelhante ao da Europa Ocidental e de outros países latino-americanos na época”.  

    Logo, a conclusão é que o Brasil Mulato caminhava bem e não teria havido a necessidade da política do embranquecimento para o Brasil continuar avançando ao longo do século XX e seguintes com a monarquia constitucional que permitia manter sob controle os desmandos das oligarquias. Que terrível perda de tempo histórico, não foi mesmo? 

    “Dois Minutos com Gastão Reis: “Democracia de grupelho”.

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