Uma viagem sem direção, em torno de sentimentos
Tom (Timothy Spall, de Mr. Turner) é um homem idoso, aparentemente solitário, que parece não ter mais nenhum objetivo de vida a não ser pegar o próximo ônibus. E o próximo, e o próximo, e o próximo. Personagem do filme O Último Ônibus, que estreou na quinta-feira, 1.°, ele precisa desesperadamente chegar a algum lugar, saindo de sua casa na Escócia e indo até a ponta da Inglaterra. Mas o que motiva esse homem?
É justamente isso que o diretor britânico Gillies MacKinnon examina ao longo de 90 minutos. Pouco sabemos sobre Tom, a não ser que tem esse objetivo e que não tem mais ninguém em sua vida. A mulher aparece em alguns flashbacks, assim como um bebê – será o filho do casal? O que aconteceu com a criança? São muitas perguntas, enquanto o protagonista vai de ponto em ponto, de ônibus em ônibus.
INGÊNUO
No geral, O Último Ônibus é um filme inegavelmente ingênuo. Primeiro, pela forma como trata Tom. Um homem quase fabular, que dificilmente seria encontrado no transporte público, e que parecer servir a um propósito divino. Sua existência lhe escapa – está aqui para servir. É uma visão romantizada do mundo que Gillies e o roteirista Joe Ainsworth colocam em prática.
Mais do que Tom, essa aura ingênua está no ambiente. Tudo é muito preto no branco. Se é má, a pessoa é completamente má. Se é boa, é de uma pureza estonteante. Dá para sentir isso em uma cena específica, que se passa dentro de um ônibus, no qual Tom defende uma mulher muçulmana de um homem racista. Parece uma cena criada por alguém na internet para aparecer.
Mas, mesmo nesse mar de ingenuidade, O Último Ônibus encanta. Em uma sessão de pré-estreia no domingo, 28, no cine Belas Artes, muita gente saiu com os olhos avermelhados. “Um filme bobinho, mas tão bonito”, dizia uma dessas pessoas. As bobagens e as ficções que surgem na história, e que poderiam afastar o público, acabaram vencidas pela emoção de se falar sobre perdas.
Sem spoilers, mas Tom está passando por um intenso processo de luto. E, por ser tão fabular, talvez chegue ao âmago das pessoas que estão passando por algum processo similar. Podem ver pessoas queridas como Tom. Lembra o que Peixe Grande, excelente filme de Tim Burton, faz: se vale de uma história repleta de fábulas e magias para mexer com o emocional das pessoas, fazendo conexão com aquilo que é mais puro.
Não espere algo grandioso de O Último Ônibus – ainda que a atuação de Spall seja, de fato, algo a se destacar também. A chave aqui é se deixar levar pela ingenuidade da trama e, talvez, encontrar um ponto de conexão com Tom. Se isso acontecer, tudo aquilo que não faz sentido na história deixa de existir em um estalar de dedos e sobra, enfim, apenas o afeto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.