Uma releitura do poder moderador II
Poder Moderador não se dá conta de sua principal virtude: ser um instrumento de monitoramento do poder em benefício do interesse público. Ou seja, manter o andar de cima sob rédeas curtas. Sua desativação levou figuras de expressão nacional a ver o futuro da república de modo muito pessimista. Joaquim Nabuco, já em 1895, em carta ao Alte. Jaceguay, se mostrava descrente até a medula; Ruy Barbosa, em 1915(!), em discurso famoso no senado, acusava o Congresso da república de ser um balcão de negócios e reconhecia que o Parlamento do Império era uma Escola de Estadistas; Machado de Assis pedia aos deuses que “afastassem do Brasil o sistema republicano porque esse dia será o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais alumiou”; e Monteiro Lobato, no famoso “A Luz do Baile”, em 1918, adotava tom de velório em relação ao que o País se tornara após a chegada extemporânea da república. Eles tinham por certo que o País perdera o principal instrumento de que dispunha para evitar que os poderes político e econômico funcionassem sem o contrapeso exercido pelo Poder Moderador. A função do monarca, posição conferida por delegação nacional, era justamente a de fiscal do povo junto ao governo. Em outras palavras, ele estava lá, pago pelo povo, a quem devia fidelidade. Não dependia de favores de grupos econômicos e políticos para manter sua posição. Isso lhe conferia um grau de isenção que qualquer pessoa eleita jamais teria.
O desastre da República Velha, que perdurou de 1889 a 1930, foi ter aberto espaço para que interesses regionais se sobrepusessem ao nacional. Foi a época da república do Café com Leite em que São Paulo e Minas Gerais se revezavam na presidência em benefício próprio. E foi assim que abriram as portas para a Revolução de 1930 e para a ditadura de Getúlio Vargas, com o país submetido à vontade de um único homem.
Ao invés de dispor do mecanismo de prestação de contas semanais dos atos de governo, como ocorria no Império, ele foi simplesmente desativado. Nem Parlamento e nem imprensa livre para cobrar do gover-no seus desmandos e excessos. Teve o interregno democrático de 1946 a 1964, e voltamos a cair em outra longa ditadura que perdurou por 21 anos. A partir de 1985, finda a ditadura militar, veio a democratização com a Carta de 1988 cujos desatinos foram expostos por Roberto Campos. Para ele, ela é saudavelmente libertária no político, cruelmente liberticida no econômico e comoventemente utópica no social.
Mas quem previu o desastre com a precisão de neurocirurgião, com um século de antecedência, foi Joaquim Nabuco, na carta já citada. Dizia ele: “A razão aconselhava que a dinastia e a força armada se entendes-sem, se unissem, reciprocamente se apoiassem, animadas como eram do mesmo espírito de abnegação e patriotismo. Em vez disso, infelizmente o exército preferiu destruir a sua aliada natural e começar a sua própria evolução política, perigosa sempre para instituições militares”.
Ao preterir a Coroa como aliada natural e eficaz na defesa do bem comum, o exército abriu espaço para que grupos econômicos e políticos sem compromisso com o interesse público se tornassem os donos do poder. As repetidas intervenções militares foram impotentes no combate à corrupção sistêmica, à desigualdade e à falta de representatividade dos políticos. Equivocadamente, apostaram na economia de comando via estatais, onde acabou prosperando a corrupção sistêmica. Tarda a hora de rever o papel institucional das Forças Armadas, sem pretensões de poder moderador, numa futura reforma política de amplo fôlego.
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