• Uma releitura do poder moderador

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  • 15/02/2020 16:48

    São visíveis hoje na grande imprensa e mesmo na academia os indícios de que o sistema político brasileiro está fazendo água por todos os lados. O desabafo do senador Tasso Jereissati, em entrevista no Estadão, em 04.06.2019, simplesmente afirma que ele está falido. O sempre perspicaz economista Fabio Giambiagi, em artigo no Globo, de 11.02.2020, rotula nosso regime político de ornitorrinco, a contrapartida (inverossímil) no reino animal do samba do crioulo doido do saudoso Sérgio Porto. Para Giambiagi, ele não se enquadra no presidencialismo clássico, nem no parlamentarismo e também não no chamado presidencialismo de coalizão, morto em 2018. Quando muito, para manter a rima, poderia ser no presidencialismo de colisão bem ao jeito Bolsonaro de ser e do congresso que parece querer ser diferente.

    Em 130 anos de república, o animal político parido foi esse ser estranho que se revelou nada republicano, levando em conta a corrupção sistêmica que gerou, a desigualdade quase campeã mundial e a ausência aguda de conexão entre representantes e representados nos parlamentos municipais, estaduais e federal. Ou seja, completa traição dos valores republicanos na suposta república do Patropi. O que aconteceu?

    A primeira tentação a ser evitada é a velha história de o Brasil foi sempre assim. Nos tempos coloniais, baseados em números e pesquisas fundamentadas, segundo o historiador Jorge Caldeira, o Brasil acabou seguindo, na prática, a cartilha de Adam Smith de liberdade econômica e atingiu renda per capita semelhante à dos EUA no final do século XVIII. O historiador Marco Villa, em entrevista, nos relembra que no Segundo Reinado teve apenas dois casos de corrupção exemplarmente punidos. Dito isto, a pergunta que se impõe é saber se foi apenas obra do acaso ou se havia uma espinha dorsal sólida que manteve o País nos eixos na área política, em especial ao longo do quase meio século de Segundo Reinado.

    A resposta nos leva em direção ao Poder Moderador.

    Como detentor do Poder Moderador (“A chave de toda a organização política”, nas palavras de Carneiro da Cunha), o imperador seria figura inviolável e sagrada, sem responsabilidade pelos atos de governo, cujas funções seriam a de nomear os senadores, nomear e demitir os ministros de Estado, suspender os magistrados, perdoar e moderar penas impostas a réus, conceder anistias em casos urgentes, aprovar e suspender resoluções dos conselhos provinciais, sancionar decretos e resoluções da Assembleia Geral, e até dissolvê-las quando assim o exigisse a “salvação Estado”, convocando imediatamente outra.

    A crítica maior se referia ao imenso poder pessoal conferido ao imperador que, apesar de haver o legislativo, o judiciário e o executivo (exercido pelo gabinete ministerial), o Poder Moderador se sobrepunha a todos eles. Na verdade e na prática, não foi assim. Ser figura inviolável e sagrada, após a chegada do cristianismo, se aplicava a qualquer ser humano e não exclusivamente ao Imperador. Não tinha responsabilidade pelos atos de governo, que cabia aos ministros, cabendo ao Imperador o papel de fiscal. Poder suspender magistrados para deixá-los à disposição de um tribunal, que emitiria uma sentença, funcionou como saudável dispositivo para evitar abusos do judiciário. A dissolução da Assembleia Geral, sempre ouvido antes o Conselho de Estado, respaldava a tradição parlamentarista de que governo se baseia na confiança dos governados em seus governantes. O benefício maior do Poder Moderador, até mesmo para os tempos atuais, será abordado no artigo da próxima semana.

    gastaoreis@smart30. com.br / gaastaoreis2@ gmail.com.

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