Uma outra Clarice gloriosa
Na cultura brasileira, Clarice Lispector é um nome glorioso. A escritora ucraniana faria, agora, 100 anos de vida. Será muito lembrada. Mas há outra Clarice que se destaca na nossa cultura popular: Clarice Niskier, minha sobrinha, que comemora 40 anos de carreira, com um feito notável que foi a apresentação de “A alma amoral” por anos seguidos de sucesso.
A filha do meu querido irmão Odilon agora volta aos palcos, para brilhar na peça inspirada na obra poéticomusical de Zeca Baleiro, com 50 músicas e fragmentos de obras de Sérgio Buarque de Holanda, Ferreira Gullar, Eduardo Galeano, Hélio Pelegrino e Osvald de Andrade. No seu texto, que lembra também o sucesso do escritor israelense Yuval Harari, Clarice, de forma inspiradora, criou um roteiro teatral de suas memórias político-sociais.
No teatro Petra Gold (Sala Marília Pêra), no Leblon, o público entenderá as razões do amor de Clarice pelo Brasil e as suas ponderadas razões para abraçá-lo. Ela não apenas escreve muito bem, como interpreta de maneira maravilhosa, como aconteceu durante os 14 anos de apresentação de “A alma imoral”, uma adaptação do livro de mesmo nome do rabino Nilton Bonder, sob a competente direção de Amir Haddad. A nova peça tem o sugestivo título de “A esperança na caixa de chicletes Ping-Pong”.
Não estranho o sucesso de Clarice. Tenho por ela enorme admiração, desde os tempos em que, bem jovem ainda, começou a carreira jornalística como repórter e fotógrafa do “Jornal do Brasil”. Ali já revelava o seu agudo interesse pelas notícias e suas consequências na vida brasileira. Ela confessa que o seu novo trabalho nasceu há aproximadamente 20 anos, quando ouviu o “Samba do approach”, apresentado pela irmã Joice, que havia escolhido a música para uma audição de canto: “As letras do Zeca refletem o meu pensamento. É uma coisa bem-humorada e profunda.”
Assim, aborda temas ligados à solidão, medo e amor, por exemplo. Ela critica a atualidade, em que há ódio dos dois lados: “Gosto muito de falar na língua portuguesa, tem tudo a ver com a minha identidade.”
Clarice Niskier não quer ter razão em tudo: “Quero apenas que o público me compreenda. Como artista, tenho o dever de compreender o outro, para depois, se for o caso, poder discordar.” Por isso mesmo, condena a ideologização da cultura, no momento degradante em que vive o país. Quanto à peça, não há dúvida, repetirá o êxito dos trabalhos anteriores da nossa Clarice.