• Uma nova modalidade de chanchada

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  • 31/maio 08:00
    Por Gastão Reis

    Clausewitz é o autor de “Da Guerra”, onde está a famosa frase “A guerra é a continuação da política por outros meios”. É a imposição da vontade de alguém, ou de um grupo, sobre outro pela força bruta. No caso brasileiro, ocorre uma situação sui generis em que a política se tornou uma espécie de chanchada de mau gosto e prejudicial ao bem comum. As evidências estão cada vez mais escancaradas a despeito de a grande mídia, por vezes, tentar levar a sério um status quo deplorável nos planos político, econômico e moral.

    A chanchada original com Oscarito e grande Otelo tinha o mérito de atrair multidões aos cinemas a despeito de enredos de humor um tanto ingênuos, mas engraçados.  Depois veio cinema novo com obras que têm o seu mérito, como “Deus e o Diabo na terra do sol”, de Glauber Rocha, mas que nunca foi capaz de encher os cinemas. Teve repercussão positiva internacional, mas não era do agrado do grande público nacional. Finalmente, surgiu o filme “Ainda estou aqui” que parece conferir maioridade ao cinema nacional dado seu sucesso junto à crítica e ao público em geral.

    Houve também a fase da pornochanchada com filmes de sexo explícito além da conta. Pobreza intelectual da pior espécie. Filmes do tipo três Xs dão conta do recado de modo mais objetivo sem disfarçar seu real intento. Foi uma época em que o cinema nacional desceu ao nível do tornozelo. Em compensação, algumas novelas com enredo e trama interessantes preencheram o vácuo absoluto da pornochanchada.

    E agora, de 2023 para cá, surgiu a chanchada política em que a incompetência, a corrupção e a tentação autoritária se deram as mãos para montar um roteiro que nos enche de indignação e vergonha. A comprovação junto à população poderia ser aferida por uma simples pesquisa sobre o que ela pensa dos políticos, dos partidos, do Judiciário e do STF, dentre outras instituições. Numa escala de notas de zero a 10, é certo que o resultado seria acachapante. Desconexão aguda entre povo e dirigentes.        

    Mas nosso estado de espírito revoltado pode ser observado nos canais de televisão. A novidade foi a pesquisa recente sobre a audiência da CNN em relação à da Globo. Esta levou uma surra nos mais diversos indicadores. Reconheça-se a postura de alguns jornalistas da Globo mais fiéis à nossa real situação. Nos últimos dias, passei a observar a fisionomia dos apresentadores da CNN em matéria de economia e política. É visível o desconforto facial deles diante das trapalhadas do desgoverno Lula. Aquela cara de “Pode?!”

    O último nonsense do governo federal, Lula & (má)Cia, foi exposto pela principal matéria do jornal Valor, de 23.05.2025, ao estampar a seguinte manchete: “Governo congela R$ 31,3 bi em gastos e eleva o IOF para arrecadar R$ 61,5 bi em dois anos”. Curiosamente, em entrevista coletiva, a equipe econômica negou que o propósito fosse o de aumentar a arrecadação. Mas qualquer aluno de ensino fundamental, que domine as quatro operações, constataria que R$ 61,5 bi é quase o dobro do dito congelamento de gastos. É, de fato, simplesmente aumento de arrecadação para continuar a gastança.

    Na verdade, é mais um episódio daquela situação em que o povo brasileiro é tratado como idiota. Na primeira Festa literária de Petrópolis, em 2024, o ministro Barroso foi convidado para proferir uma palestra. Lá pelas tantas, ele desmereceu a colonização portuguesa como se fosse nosso pecado original. E revelava profundo desconhecimento da história do Brasil, em especial das pesquisas mais recentes que nos comprovam que não foi nada do que ele disse. O desastre veio com a república sem compromisso com o bem comum.

    A última empolgação de nossos deputados e senadores foi a proposta em andamento no Congresso para pôr fim à reeleição para os cargos executivos de prefeitos, governadores e presidente. Suas excelências descobriram que a máquina pública dava vantagem a quem ocupa o poder executivo na campanha para o segundo mandato. Novamente, a questão de tratar o povo como idiota. É óbvio que quem consegue se reeleger é porque foi bem avaliado pela população. Caso contrário, não seria reeleito como já aconteceu com o atual ministro Haddad e com a Marta Suplicy. Ambos foram prefeitos da cidade de São Paulo, e não conseguiram se reeleger..

    Sempre me causa espécie nossa capacidade de ignorar a experiência de países desenvolvidos nessa questão da reeleição. Tomemos o caso da Inglaterra em que houve a confirmação de primeiros-ministros por dois mandatos seguidos de quatro anos. E até mais. Exemplos mais recentes: Harold Wilson, Margaret Thatcher e Tony Blair. Alguém poderia dizer que é diferente em países parlamentaristas. Não procede. Os EUA tiveram vários presidentes que tiveram dois mandatos. Bom lembrar que o presidencialismo americano é único no mundo. Lá, o peso do poder do Congresso se faz sentir. E ainda de uma suprema corte vigilante no respeito à constituição. Países europeus nos dão exemplos semelhantes ao do caso inglês.

    O lado chanchada de nosso mundo político carece de foco em prioridades realmente importantes. O deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança vem denunciando a grande quantidade de projetos de leis – parados na Câmara Federal –, que realmente atendem ao interesse público. Um exemplo, que merece uma CPI, segundo ele, é o valor de um bilhão nas contas da Itaipu Binacional a respeito do qual não está claro qual foi sua destinação.

    A chanchada original também comportava situações de flagrantes injustiças em que o mocinho entrava em ação para que o bem prevalecesse. No atual clima político brasileiro, o insigne jurista e democrata convicto, Ives Gandra Martins, foi alvo de processo ético-disciplinar por suposta incitação a golpe de Estado. A iniciativa partiu da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e do Movimento Nacional dos Direitos humanos (MNDH) junto ao Tribunal de Ética da OAB-SP. Duas instituições fazendo o oposto do que deveriam por razões políticas de quinta categoria.

    É mais um episódio da chanchada política, aliás, sem graça alguma.

    **Sobre o autor: Gastão Reis é economista e escritor.

    **Contato: gastaoreis2@gmail.com

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